Assim, a maior busca do homem é por descobrir se
ele também é nada mais do que um acúmulo de muitas,
muitas camadas que nós podemos ir descascando e que no
final nada haverá em nossas mãos. Se nós seguirmos
negando e dizendo, “eu não sou o corpo”, “eu não
sou a mente”, “eu não sou isso”, “eu não sou
aquilo”, isso poderá se tornar a história da cebola e
no final nada permanecerá do que possa ser dito que
“isso sou eu”.
Mas os Upanishads dizem que
mesmo se for assim, ainda é necessário conhecer a
verdade, mesmo que seja verdadeiro que nada exista dentro,
ainda vale a pena conhecer, porque o resultado de se
conhecer a verdade é muito significante. Mas buscando
profundamente, entretanto, descobre-se no final que o
homem não é apenas um acúmulo de roupas, o homem não
é apenas camadas sobre camadas sobre camadas. Existe
alguma coisa dentro das camadas que é diferente. Mas nós
só chegamos a conhecer tal coisa quando, removendo todas
as camadas, nós chegamos dentro de nós. Tal elemento que
permanece no fim é chamado sakshi
pelos Upanishads, a testemunha.
Essa palavra sakshi
é muito bela e preciosa. Toda a filosofia, genialidade e
sabedoria do Oriente está implícita nessa pequena
palavra. O Oriente não contribuiu para o mundo com outra
palavra mais importante do que sakshi, a testemunha.
O que significa sakshi?
Sakshi
significa aquele que vê, a testemunha. Quem é esse que está
experienciando que “eu não sou o corpo”? Quem é esse
que está experienciando que “eu não sou a mente”?
Quem é esse que segue negando que “eu não sou isso, eu
não sou aquilo”? Existe um elemento que vê, que
observa, o observador dentro de nós que vê, que observa
tudo.
Esse que vê é o sakshi, a testemunha. O
que é visto é o mundo. Aquele que está vendo é quem eu
sou e o que está sendo visto é o mundo. ‘Adhyas’, a
ilusão, significa que aquele que está vendo entende mal
a si mesmo como se estivesse em tudo que é visto. Essa é
a ilusão.
Existe um diamante em minha mão
e eu estou vendo ele. Se eu começar a dizer que eu sou o
diamante, isso é uma ilusão. Essa ilusão tem que ser
quebrada e a pessoa tem que chegar finalmente àquele puro
elemento que é sempre o que vê e nunca é visto. Isso é
um pouco difícil. Aquele que vê nunca pode ser visto
porque ele será visto por quem? Você pode ver tudo no
mundo exceto a si mesmo. Como você pode ver a si mesmo?
– porque dois serão necessários para se ver, aquele
que vê e o outro que é visto.
Nós podemos pegar tudo com um par de pinças,
exceto as próprias pinças. Esse esforço irá falhar. Nós
podemos achar isso embaraçoso, pois se as pinças pinçam
tudo, por que elas não conseguem pinçar elas mesmas?
Nós vemos tudo, mas não somos capazes de ver a nós
mesmos. E nós nunca seremos capazes disso. O que quer que
possa ver, você sabe que não é você. Portanto, tenha
uma coisa como certa, que aquilo que você é capaz de ver
não é você. Se você for capaz de ver Deus, então uma
coisa se torna certa, que você não é Deus. Se você vê
luz dentro de você, uma coisa é conclusiva, que você não
é a luz. Se você tem uma experiência de êxtase dentro
de si, uma coisa é determinada, que você não é o êxtase.
Qualquer coisa que tenha sido experienciada, você não é
aquilo. Você é aquele que experiencia.
Assim, qualquer coisa que se
torna sua experiência, você está além dela. Por conseqüência,
será útil compreender um ponto difícil aqui, que
espiritualidade não é uma experiência. Tudo no mundo é
uma experiência, mas não espiritualidade.
Espiritualidade é alcançar aquele que experiencia tudo,
mas que ele próprio nunca se torna uma experiência. Ele
sempre permanece sendo o experienciador, a testemunha,
aquele que vê.
Eu vejo você: você está de um lado, eu estou do
outro lado. Você está lá, aquele que está sendo visto;
eu estou aqui, aquele que está vendo. Essas são duas
entidades,
Não há maneira alguma de
dividir alguém em dois, de modo que uma parte vê e a
outra parte é vista. Mesmo se fosse possível dividir,
então a parte que estaria vendo sou eu, e a parte que está
sendo vista não seria eu. Simples assim.
Esse é todo o processo ou
metodologia dos Upanishads: neti, neti – nem isso, nem
aquilo. O que quer que possa ser visto, é dito que você
não é aquilo. O que quer que possa ser experienciado, é
dito que você não é aquilo. Você continua dando passos
atrás, até que nada permaneça que possa ser negado ou
eliminado. Um momento chega em que todo o cenário é
perdido. Um momento chega em que todas as experiências são
deixadas de lado – todas!
Lembre-se, todas! A experiência de sexo é
certamente abandonada, a experiência de meditação também
é abandonada. As experiências do mundo, de amor e de ódio
são largadas, as experiências de êxtase e iluminação
também são largadas. Somente o puro observador
permanece. Nada está ali para ser visto, somente o vazio
permanece por toda volta. Somente aquele que vê
permanece, e o céu vazio por toda volta. E no meio está
aquele que vê, o observador, aquele que vê nada porque
tudo que poderia ser visto foi negado e eliminado. Agora ele
experiencia nada. Ele removeu todas as experiências de
seu caminho. Agora ele permanence só, aquele que estava
experienciando.
Quando não há qualquer experiência, não há
qualquer ver, nada é visto, não há qualquer objeto para
ser visto, e permanece a testemunha só. Torna-se muito
difícil de se expressar na linguagem o que realmente
acontece porque nós não temos outra palavra a não ser
“experiência” em nossa linguagem, por isso nós
chamamos isso de “auto-experiência” ou
“auto-realização”. A palavra experiência não é
certa. Nós dizemos “experiência de consciência” ou
“experiência de Brahma, o absoluto”, mas nenhuma
dessas expressões são corretas porque a palavra experiência
pertence àquele mesmo mundo que nós já tínhamos
eliminado. A palavra experiência tem um significado no
mundo da dualidade, onde havia “o outro” também. Aqui
ela não tem qualquer significado
em absoluto. Aqui
somente o experienciador permanece, a testemunha
permanece.
A busca por essa testemunha é espiritualidade. (...)
Se não houver menção alguma à testemunha,
compreenda bem tudo isso nada tem a ver com religião.
Tudo mais é secundário. Tudo mais pode ser útil, pode não
ser útil, pode haver diferenças de opinião a respeito
de tudo mais, mas não no que se refere à testemunha.
Por isso, se algum dia no mundo for criada uma ciência
da religião, não haverá qualquer menção a Deus, à
alma, a Brahma. Essas são questões localizadas –
algumas religiões acreditam neles, outras não – mas o sakshi
será mencionado porque ele não é uma questão
localizada.
Não pode existir religião alguma sem a testemunha.
Assim a testemunha sozinha é a base científica para
todas as experiências religiosas – de toda busca e
jornada religiosa. E é sobre isso e ao redor desse sakshi
que todos os Upanishads giram. Todos os princípios e
todos os indicadores são para assinalar a testemunha.
Vamos tentar compreender isso
um pouco mais. Não é difícil compreender o significado
da palavra testemunha, mas a sua prática real é uma
coisa complexa.
Nossa mente é como uma
flecha, afiada numa das pontas. Você já deve ter visto
uma flecha: ela não pode ser atirada nas duas
extremidades, uma flecha só vai em uma direção. Ela não
pode viajar em direções opostas simultaneamente, ela
somente vai em direção ao seu alvo, em uma direção.
Assim, quando a flecha está
no arco e então ela é disparada, existem dois aspectos a
serem considerados – quando ela deixa o arco no qual ela
estava situada, ela começa a se mover para fora dele, e
ela começa a se aproximar do alvo, onde ela não estava
antes. Um estado era que a flecha estava no arco e
distante dali, numa árvore, estava o alvo. A flecha
estava ainda no arco e ainda não havia atingido o alvo.
Então a flecha deixa o arco, começa a se mover para fora
dele e se aproximar do alvo. E em seguida chega o estado
em que a flecha atinge o alvo, o arco permanece vazio e a
flecha no centro do alvo.
Isso é o que nós estamos fazendo com nossa consciência
o tempo todo. Sempre que a flecha de nossa consciência
nos deixa, o arco interno se torna vazio e a flecha, ao
alcançar o objeto, se apega a ele. Um rosto parece belo
para você, a flecha de sua consciência é lançada.
Agora aquela flecha não está dentro de você, a consciência
não está dentro de você. A consciência correu para
fora e se apegou ao belo rosto.
Existe um diamante no meio da Estrada; a flecha é
lançada do arco. Agora a consciência não está dentro
de você, agora a consciência se move e alcança o
diamante, pinça o centro dele. Agora a sua consciência
está com o diamante e não mais dentro de você. Agora a
consciência está em algum outro lugar. Assim, todas as
flechas de sua consciência tem alcançado e pinçado
alguma coisa fora, em algum lugar fora. Você não tem
mais a consciência dentro de si, ela está sempre indo
para fora. Uma flecha consegue ir apenas em uma direção,
mas a consciência pode ser bi-direcional – e quando
isso acontece, a testemunha é experienciada. A flecha da
consciência consegue ir em ambas as direções, ela pode
ter dois gumes.
Quando a sua consciência é puxada para algum
lugar, se você puder manejar somente um tanto, um dia então
a testemunha acontecerá dentro de você. Quando sua atenção
for puxada para fora – uma bela mulher ou um belo homem
estiver passando – a sua consciência foi pega ali e
agora você esqueceu completamente de si mesmo, a consciência
não está mais dentro de você. Agora você não está
consciente, agora você se tornou inconsciente porque a
sua consciência viajou para algum outro lugar, agora a
sua consciência se tornou uma sombra daquela pessoa ou
objeto – agora você não está mais consciente.
Agora, se você conseguir fazer essa única coisa:
você viu alguém belo, a sua consciência foi puxada para
lá. Se no mesmo momento você conseguir estar alerta,
consciente do arco de onde a flecha foi lançada, se você
conseguir simultaneamente ver ambos – a fonte de onde a
consciência foi disparada e o objeto para onde a consciência
está indo – se ambos puderem chegar à sua atenção
simultaneamente, então você irá experienciar pela
primeira vez o que significa a testemunha. De onde a
consciência está se levantando, de onde a consciência
foi lançada para fora – essa fonte tem que ser
encontrada. (...)
Compreenda dessa outra
maneira: quando eu estou falando, a sua consciência está
em minhas palavras. Faça disso uma flecha apontada para
os dois lados... Isso pode acontecer justo agora, neste
exato momento. Quando eu estou falando, não escute apenas
o que eu estou dizendo, permaneça também simultaneamente
consciente de que você está ouvindo. Aquele que fala é
um outro alguém, ele está falando, eu sou o ouvinte, eu
estou ouvindo. Se mesmo por um momento, aqui, agora,
manejar ambas as coisas simultaneamente – ouvindo também
se lembrando do ouvinte, essa lembrança interna de que
“eu estou ouvindo” – e não há nenhuma necessidade
de repetir as palavras. Se você repetir as palavras “eu
estou ouvindo” você não será capaz de ouvir ao mesmo
tempo, você perderá o que eu disse.
Não há necessidade alguma de formar a frase
interna “eu estou ouvindo, eu estou ouvindo”. Se você
fizer isso, você ficará surdo por aquele período de
tempo ao que eu estava dizendo. Naquele momento enquanto
você ouvir sua própria voz dizendo “eu estou
ouvindo”, você não ouvirá o que eu estiver dizendo.
É uma experiência simultânea
de ouvir o que eu estou dizendo e também estar consciente
de que você está ouvindo. A sensação, a realização,
a experiência de que você é o ouvinte é o segundo
aspecto.
Alcançar a consciência desse segundo aspecto é
difícil. Se você conseguir manejar isso, será muito fácil
tornar-se consciente do terceiro aspecto.
O terceiro aspecto é esse: se
quem fala é A, quem escuta é B, então quem é aquele
que experiencia ambos, o que fala e também o ouvinte?
Esse é o terceiro, e esse terceiro ponto é a testemunha.
Você não consegue ir além desse terceiro. Esse terceiro
é o último ponto. E esses são os três pontos do triângulo
da vida: os dois são o objeto e o sujeito, e o terceiro
ponto é a testemunha desses dois, o experienciador desses
dois, aquele que vê esses dois.
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