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   após chegar a Kathmandu, eu já estava numa jornada a pé
  pelas montanhas mais altas do planeta, que durou exatamente 21 dias, o ciclo
  que Osho recomenda para experimentar os reais efeitos de suas técnicas de
  meditação. 
        De fato,
  trekking em montanhas é uma atividade muito próxima, ou equivalente, à
  meditação. Não por acaso, os Himalayas estão presentes em histórias,
  mitos e metáforas de textos sagrados antigos do budismo e do hinduísmo desde
  os Vedas, em épicos indianos como o Mahabharata, uma fantástica obra literária
  ainda pouco conhecida no Ocidente, e em muitas estórias contadas pelo Osho.
  As montanhas da Índia, Nepal e Tibet sempre foram refúgios de silêncio e
  solitude buscados por antigos mestres para atingir a iluminação. Ainda hoje,
  nas suas trilhas encontram-se marcas de passagens de buscadores de outros
  tempos em toda parte. Mosteiros, templos, estupas (monumentos budistas construídos
  para abrigar lamas ou mestres enterrados) e até a caverna onde Milarepa
  meditava, um personagem que Osho freqüentemente menciona. 
        As
  longas caminhadas diárias por mais de 300 quilômetros para cruzar a Grande
  Cordilheira dos Himalayas muitas vezes me lembravam e me faziam sentir ora
  como a Meditação Dinâmica, ora como a Vipassana. Nas íngremes e intermináveis
  subidas que, vistas de baixo, pareciam impossíveis, deve-se aprender a
  caminhar lenta e persistentemente. Nada mais parece existir no mundo além da
  necessidade de dar o próximo passo. O fôlego parece estar no seu limite,
  qualquer conversa, qualquer simples troca de palavras faz-nos perder o fôlego,
  então o melhor é caminhar silenciosamente. Muito parecido com a Vipassana,
  onde tudo o que parece existir é a próxima respiração. Nos intervalos, a
  possibilidade da não-mente, da ausência de si mesmo. 
        Acima
  dos 4.000m, o esforço torna-se cada vez mais intenso, é necessário inspirar
  mais fundo e num ritmo cada vez maior para absorver a quantidade de oxigênio
  necessário. Esforço, dor, desconforto. De repente, a alegria intensa de
  vislumbrar os cumes nevados das montanhas com mais de 8.000m de altura, de
  caminhar na neve fofa, no ar e silêncio cristalinos. Em tudo me lembra a
  Dinâmica! 
        Depois
  de 3.500m de altura, deixamos para trás as últimas vilas habitadas e restam
  à frente apenas algumas esparsas contruções simples que são as pousadas
  para os montanhistas. Na pousada mais alta em que dormimos, a 4.500m, ao me
  acomodar no meu saco de dormir, contemplo meu cabelo sujo, meu rosto inchado
  devido à baixa pressão atmosférica, vejo as unhas da mão pretas de
  sujeira, sinto os odores de todos os fluidos do meu corpo depois de 6 dias sem
  banho e imediatamente a imagem romântica dos muitos mestres meditando nas
  suas cavernas se desfaz como a neve sob o sol. 
        No dia
  seguinte, seguimos montanha acima antes do sol raiar para tentar atingir o
  ponto mais alto da Cordilheira, a 5.416m, onde é possível passar para o
  outro lado. Meu guia de montanha me avisa para guardar a garrafa d´água
  dentro da mochila para a água não congelar. São cerca de 11 horas de
  caminhada até encontrar um lugar seguro para dormir do outro lado, sem comer
  nada no caminho porque não há nada na aridez gelada da montanha e também
  porque a náusea e a tontura causadas pela altitude me impedem de comer
  qualquer coisa ao longo de todo o dia. Pergunto-me o que busco. Silêncio,
  nenhuma resposta. Então aparece em minha mente o mantra Satyam, Shivam,
  Sundram (Verdade, Bondade, Beleza). Acho que busco apenas a Beleza, pois o
  Belo está sempre próximo da Verdade, como dizem as escrituras mais antigas
  desta terra plena de sabedoria incomum. 
        Duas
  semanas depois, enquanto escrevo sentado ao sol no terraço de um hotel, ainda
  no Nepal, sinto-me imensamente feliz por ter vivido esta experiência, mas
  também porque ainda tenho pela frente uma estada no Osho Resort, onde se pode
  meditar com todo o conforto que o mundo moderno pode oferecer, encontrar
  amigos, tomar um café expresso, comer uma boa pizza, dançar, se divertir e,
  quem sabe, atingir alguns cumes de consciência, aos quais aqueles pobres
  buscadores da antigüidade tinham que penar para tentar chegar.
  
   
                                                                                                             
                    Ansu
                     
                     
                     
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