O
mestre, a comuna e a verdade
"Na
tradição de Buda existem três famosas proteções: Buddham
sharanam gachchhami: eu vou aos pés de Buda, eu me
entrego a Buda; Sangham sharanam gachchhami: eu vou
aos pés da comuna, eu me entrego ao campo de energia búdica;
Dhammam sharanam gachchhami: eu me entrego à lei
maior que é personificada por Buda e que é buscada pela
comuna, a qual já se tornou real em Buda e é uma busca
na comuna. Essas são as três coisas mais importantes
para um buscador: o mestre, a comuna e o dhama, Tao,
logos, a lei maior.
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A não ser que você esteja em contato com alguém
já realizado, é quase impossível para você,
crescer. São milhões os obstáculos, são
muitos os problemas, as portas falsas, as tentações.
Há toda possibilidade de você extraviar-se. A
não ser que você esteja em companhia de alguém
que conheça o caminho, que já viajou pelo
caminho, que já chegou, é quase impossível
para você alcançar. A não ser que você
esteja de |
mãos
dadas com alguém em quem você possa confiar e
a quem você possa se entregar, é muito provável
que você se extravie. A mente cria tantas tentações
- e tão cativantes elas são, tão magnético
é o poder delas - que, a não ser que você
esteja no campo de poder de alguém cujo
magnetismo é muito mais poderoso do que
qualquer outro tipo de tentação, não será
possível alcançar. Esse é o significado do
discipulato.
Buddham sharanam gachchhami: eu me
entrego ao mestre.
O mestre é uma força tão magnética, que a
sua entrega ao mestre se torna a sua proteção,
ela é chamada de proteção. Então você fica
seguro, você está guardado, está protegido.
Então, as suas mãos estão naquelas mãos que
sabem aonde levá-lo, que direção dar a você.
A segunda coisa é a comuna. Cada buda cria uma
comuna, porque sem uma comuna o trabalho de um
buda não pode acontecer. A comuna significa o
seu campo de energia, uma comuna significa as
pessoas que se juntaram a ele, a comuna
significa uma sociedade alternativa à sociedade
mundana comum que vive atrás de falsos
consolos, que está aí disponível para todos.
Um pequeno oásis no deserto do mundo é o
que significa uma comuna criada por um buda. Um
pequeno oásis no qual a vida é vivida com uma
gestalt totalmente diferente, com uma visão
totalmente diferente e com objetivos totalmente
diferentes; onde a vida é vivida com propósito,
significado; onde a vida é vivida com método,
embora para os de fora ela possa parecer
loucura, essa loucura tem um método em si; onde
a vida é vivida cheia de prece, alerta, consciência,
despertar; onde a vida não é apenas acidental;
onde a vida começa a se tornar mais e mais um
crescimento numa certa direção, num certo
destino, onde a vida não é mais levada a esmo
pela correnteza.
E a terceira é o dhamma. Dhamma significa
verdade. Buda representa o dhamma de duas
maneiras: uma, através de sua comunicação
verbal, e outra, através de sua presença,
através de seu silêncio, através de sua
comunicação não-verbal. A comunicação
verbal é apenas uma introdução à comunicação
não-verbal. A não-verbal é uma comunicação
de energia. A verbal é apenas preparatória,
ela simplesmente prepara-o para que você
possa permitir ao mestre comunicar-lhe energia sábia,
porque energia sábia move-se no desconhecido.
Energia sábia exige grande confiança, porque
você estará completamente sem saber onde você
está indo; ciente de que está indo a algum
lugar, ciente de que você está sendo levado a
algum lugar, ciente de que está acontecendo
alguma coisa de tremenda importância; mas o que
isso é exatamente você não tem ainda a
linguagem para expressar; você não tem
qualquer experiência para reconhecer. Você
estará se movendo sem um mapa.
O buda representa o dhamma, a verdade, de duas
maneiras. Verbalmente ele se comunica com os
estudantes, não-verbalmente, através do silêncio,
através da energia, ele se comunica com os discípulos.
E então surge a unidade maior onde nem comunicação
nem comunhão são necessárias, mas a unicidade
é alcançada, onde o mestre e o discípulo se
tornam um, quando o discípulo é apenas uma
sombra, quando não há separação. Esses são
os três estágios do crescimento: estudante,
discípulo e devoto.
Atisha diz: medite nas três coisas que não
podem ser destruídas.
O buda, a sangha, e o dhamma. Medite nessas três
coisas que não podem ser destruídas. O mundo
será sempre contra essas três coisas, irá se
desdobrar para destruí-las. Aqueles que amam a
verdade, aqueles que são verdadeiros buscadores,
investigadores, eles farão tudo para proteger
essas três coisas.
Primeiro, o buda. Por que o mundo cria tantas
dificuldades para um buda, sempre que ele
aparece, qualquer que seja a sua forma? Ele pode
ser Krishna, Cristo, Atisha, Tilopa, Sahara. Ele
pode aparecer em qualquer forma. Por natureza búdica
eu quero dizer consciência desperta. Sempre que
o despertar acontece, todo o mundo se torna
contrário. Por que? Porque todo mundo está
dormindo.
Há um ditado árabe: não acorde um escravo,
pois ele pode estar sonhando que ele é livre. Não
acorde um escravo, ele pode estar sonhando que
ele é livre, que ele não é mais escravo.
Mas um buda dirá: acorde o escravo! Embora ele
esteja sonhando belos sonhos de liberdade,
acorde-o e faça-o consciente de que ele é um
escravo, pois somente através da consciência
ele pode realmente se tornar livre.
O mundo está dormindo profundamente e as
pessoas estão curtindo seus sonhos. Elas estão
enfeitando seus sonhos, elas estão fazendo seus
sonhos mais e mais coloridos, elas os estão
fazendo psicodélicos. Aí aparece um homem que
começa a gritar do topo da casa:
"despertem!" Os dorminhocos se
sentem ofendidos; eles não querem despertar
porque eles sabem que uma vez que o sonho se
vai, eles estarão de volta às suas misérias,
sofrimentos e nada mais. Eles ainda não estão
conscientes de que atrás de suas misérias
existe uma fonte de alegria que pode ser
encontrada. Sempre que lhes ocorreu alguma coisa
como um despertar, eles se viram
completamente miseráveis. Por isso, eles querem
permanecer afogados em alguma coisa, não
importa o que seja, eles querem permanecer
ocupados.
O ensinamento dos budas é: encontre tempo e um
lugar para permanecer desocupado. Isso é meditação.
Encontre pelo menos uma hora todo dia para
sentar-se silenciosamente, nada fazendo,
completamente desocupado, simplesmente
observando o que passar no seu interior. No começo
você vai ficar muito triste, olhando para as
coisas dentro de você. Você somente vai
perceber escuridão e nada mais; coisas feias e
todo tipo de buracos negros aparecendo. Você
vai sentir agonia e nenhum êxtase. Mas se você
persistir, perseverar, chegará o dia em que
essas agonias desaparecerão e atrás das
agonias está o êxtase.
Assim, a primeira coisa: sempre que um buda
aparece, o mundo é contra ele. O mundo está
dormindo profundamente, sonhando, e um buda
tenta despertar as pessoas. Existem mil e uma
outras razões pelas quais o mundo quer destruir
o buda, e é por isso que Atisha diz:
Medite nas três coisas que não podem ser
destruídas.
Se os discípulos de Jesus soubessem disso, eles
teriam tentado de toda maneira proteger Jesus.
Mas eles não estavam cientes disso. Jesus pode
viver somente três anos como um buda. Ele
poderia ter vivido até a velhice, ele poderia
ter ajudado milhões de pessoas no caminho, mas
os discípulos não estavam cientes de que o
grande tesouro que estava em suas mãos tinha
que ser protegido e guardado.
Existem muitas razões. Uma razão pela qual as
pessoas são contra é porque sempre que um buda
aparece no mundo ele é único, ele não pode
ser comparado com nenhum outro buda do passado.
Esse é o problema. As pessoas se acostumam,
pouco a pouco, com os budas passados, mas sempre
que um novo buda surge, ele é tão novo, tão
único, tão diferente, que elas não podem
acreditar que ele é um buda, porque elas já têm
uma certa idéia formada a respeito.
Aqueles que conheceram Mahavira, como eles podem
me reconhecer como um buda? Eu não estou
andando nu. Aqueles que viram Jesus, como eles
podem reconhecer Atisha como um buda? Atisha não
cura os doentes e não ajuda os mortos a se
levantarem de novo, não ajuda o cego a ver.
Atisha é um tipo de buda totalmente diferente.
Ele não serve aos pobres; o seu trabalho é num
plano totalmente diferente.
Os cristãos não conseguem reconhecer Gautama
Buda como um buda. Mahavira e Buda foram
contemporâneos, mas os jainas não reconhecem
Gautama Buda como um desperto; e os budistas não
reconhecem Mahavira como um desperto. Eles foram
contemporâneos, na mesma província, algumas
vezes viveram na mesma cidade e uma vez
estiveram na mesma hospedagem. Mas cada
buda tem uma qualidade única, incomparável.
Então nenhum buda anterior pode ser considerado
como critério. Isso cria dificuldades.
Os budas são irreconhecíveis porque você em
sua vida não tem qualquer experiência através
da qual você possa reconhecer um buda. A pessoa
sexual consegue reconhecer outra sexual; uma
mente direcionada para dinheiro consegue
reconhecer outra mente direcionada para
dinheiro, mas como você pode reconhecer um buda?
Você não teve qualquer experiência de consciência
desperta. Num buda você somente verá refletida
a sua própria mente. Isso é natural.
Um buda é descompromissado, isso cria
problemas. Ele não pode se comprometer. A
verdade não pode ser comprometida com qualquer
mentira, confortáveis mentiras. Os budas
parecem ser bastante não-sociais e algumas
vezes anti-sociais. Um buda nunca preenche
quaisquer expectativas das multidões; ele não
pode. Ele não está aqui para seguir você. Só
existe um jeito: você pode segui-lo se você
quiser estar com ele, caso contrário, continue
perdido. Ele não pode preencher as suas
expectativas. As suas expectativas são tolices.
As suas expectativas são as suas expectativas,
a partir da sua inconsciência e cegueira. Que
valor elas podem ter?
Um buda é sempre rebelde, contra as tradições,
não-conformista. Isso cria problemas. Um buda não
pertence ao passado. Na verdade, o futuro
pertence ao buda. Ele está sempre se
antecipando ao seu tempo, ele é um novo
nascimento de Deus.
Tudo isso é suficiente para que a sociedade dos
cegos, malucos, famintos, egoístas ambiciosos
e todos os
tipos de neuróticos e psicóticos se juntem
para destruir qualquer possibilidade de existir
um buda.
E eles também são contra a sangha e até mesmo
mais. Eles podem tolerar um buda se ele estiver
só. Eles sabem: o que ele pode fazer? Eles
toleraram Krishnamurti mais facilmente do que
eles podem me tolerar. O que pode Krishnamurti
fazer? Ele pode vir, falar e as pessoas escutam.
As pessoas estiveram escutando por cinqüenta
anos e nada aconteceu. Assim, ele pode falar uns
poucos anos a mais. Não há o que se preocupar
com ele.
Eu também estive só, viajando por todo o país
de um canto a outro, por quase três semanas
todos os meses, de trem, de avião,
continuamente viajando e não havia muitos
problemas. No dia em que eu iniciei o sannyas, a
sociedade ficou alerta. Por que? Porque criar um
campo búdico, criar uma sangha, significa que
agora você está criando uma sociedade
alternativa; você não é mais um indivíduo
sozinho, você está reunindo poder, você pode
fazer alguma coisa. Agora você pode criar uma
revolução.
Assim, as pessoas querem destruir todas as
comunas. Você sabe, as comunas não têm vidas
longas; muito raramente as comunas sobrevivem,
muito raramente. Milhões de vezes, comunas têm
sido criadas, e a sociedade as destrói mais
cedo ou mais tarde, e mais cedo do que tarde.
Mas umas poucas comunas têm sobrevivido. Por
exemplo, a comuna de Gautama Buda ainda
sobrevive; não com a mesma pureza, muito lixo já
entrou nela. Ela não é mais a água clara
feito cristal que você pode ver em Gangotri
onde o Ganges nasce. Agora a comuna de Buda é
como o Ganges próximo a Varanasi, sujo, com
corpos mortos boiando e com todo tipo de lixo
sendo despejado nele. Mas ela ainda está viva.
Muitas comunas desapareceram completamente.
Por exemplo, nenhuma comuna de Lao-Tzu
sobrevive, nenhuma comuna de Zaratustra
sobrevive. Sim, uns poucos seguidores estão
ali, mas eles não são comunas. Nenhuma comuna
de Saraha, Tilopa e Atisha sobrevive. Todos eles
criaram comunas. Mas a sociedade é realmente
grande, enorme, poderosa. Enquanto o mestre está
vivo talvez a comuna possa sobreviver, mas uma
vez que o mestre já tenha partido, a sociedade
começa a destruir a comuna de todas as maneiras
possíveis.
Atisha diz:
Medite nas três coisas que não podem ser
destruídas.
E a terceira é o dhamma, a verdade. O mundo é
contra a verdade, o mundo vive sobre mentiras.
Mentiras são muito confortáveis, muito seguras
e aconchegantes. E você as pode criar de acordo
consigo mesmo, de acordo com as suas
necessidades. A verdade nunca está de acordo
com você. Você é que tem que estar de acordo
com a verdade. E essa é a dificuldade. Muitos
pedaços do seu ser terão que ser cortados para
que você possa se ajustar à verdade. O seu ego
terá que ser abandonado para que você possa
entrar no templo da verdade.
As mentiras são perfeitamente belas, baratas e
disponíveis em qualquer lugar. Você pode ir ao
shopping e comprar sacolas de mentiras, tantas
quantas você quiser. E a coisa melhor a
respeito delas é que elas se ajustam a você.
Elas nunca exigem que você se ajuste a elas.
Elas são muito amigáveis, elas nada exigem de
você, elas não cobram, elas não pedem
qualquer compromisso. Elas estão prontas para
servi-lo.
A verdade não pode servi-lo. Você terá que
servir à verdade.
Atisha está lhe dando um grande insight.
Particularmente para os meus sannyasins, isso
tem que ser lembrado e meditado. O buda está
aqui, a comuna já começou a acontecer e a
verdade está sendo compartilhada. Agora é por
sua conta ajudá-la a sobreviver, a protegê-la,
de modo que ela possa viver por muito tempo e
servir à humanidade por muito tempo.
Deixe que isso seja a sua virtude e a sua religião:
servir o buda, servir a comuna e servir a
verdade. Deixe que isso seja a sua única
virtude e a sua única religião." |
OSHO
- The Book of Wisdom - Discourses on Atisha's Seven
Points
of Mind Training - discourse nº 17
tradução: Sw.Bodhi Champak
Copyright
© 2006 OSHO INTERNATIONAL FOUNDATION, Suiça.
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