Amor
e meditação
O dia 11 de junho de 1979 havia chegado e o Ashram estava
lotado aguardando o início de mais uma série de palestras
do Osho em inglês. Desde o final de 1978 havia uma
expectativa no ar pois dizia-se que ele iria falar sobre
"O Dhammapada", a essência dos ensinamentos de
Buda. Às 8 horas, quando se esperava a chegada de
Osho, foi anunciado que ele não estava bem de saúde e que
não viria. Dez dias se passaram desde então e somente no
dia 21 de junho, Osho voltou a falar. Foi quando ele deu início
à série de palestras sobre "O Dhammapada". Havia
sido uma longa ausência, a mais longa desde junho de 1974.
O texto que traduzimos abaixo é parte do primeiro discurso
da série sobre "O Dhammapada".
"........O
ódio existe com o passado e com o futuro, enquanto o amor não
precisa nem de passado nem de futuro. O amor existe no
presente. O ódio tem uma referência no passado. Alguém
abusou de você ontem e você está carregando isso como uma
ferida, como uma ressaca. Ou pode ser que você esteja com
medo de que alguém vá abusar de você amanhã, um medo,
uma sombra de medo. E você já começa a se aprontar, começa
a se preparar para ir de encontro à situação.
O ódio
existe com o passado e com o futuro. Você não pode odiar
no presente. Tente e você se sentirá completamente
impotente. Tente isso hoje: sente-se em silêncio e odeie
alguém no presente, sem qualquer referência ao passado ou
ao futuro... você não consegue fazer isso. Isso não pode
ser feito. Pela própria natureza das coisas, isso é impossível.
O ódio só pode existir se você se lembrar do passado -
esse homem fez alguma coisa com você ontem - aí o ódio é
possível. Ou esse homem vai fazer alguma coisa com você
amanhã - aí também o ódio é possível. Mas se você não
tiver qualquer referência com o passado ou com o futuro -
esse homem nada fez a você e nem vai fazer, esse homem está
simplesmente sentado ali. Como você pode odiar? Mas você
pode amar.
O
amor não necessita de qualquer referência. Essa é a
beleza do amor e a liberdade do amor. O ódio é uma
escravidão. O ódio é uma prisão imposta por você a si
mesmo. E o ódio cria ódio, o ódio provoca ódio. Se você
odeia alguém, você está criando ódio no coração
daquela pessoa contra você mesmo. E todo o mundo existe em
torno do ódio, da destruição, da violência, da inveja,
da competição. As pessoas estão cada qual atracadas no
pescoço umas das outras, ou de verdade, na ação, ou pelo
menos na mente. Em seus pensamentos todo mundo está
matando, assassinando. É por isso que nós criamos um
inferno em cima desta linda terra, que poderia ter se
tornado um paraíso.
Ame e
a terra se torna um paraíso novamente. E a imensa beleza do
amor é que ele é, sem qualquer referência. O amor brota
em você, sem qualquer razão. É a sua felicidade
transbordando, é o seu coração compartilhado. É o
compartilhar da canção do seu ser. E compartilhar é um
ato tão cheio de alegria, que a pessoa compartilha.
Compartilhar por ser bom compartilhar, por nenhum outro
motivo.
Mas o
amor que você conheceu no passado não é o amor do qual
Buda está falando ou que eu estou falando. O seu amor nada
mais é do que o outro lado do ódio. Então o seu amor tem
referência. Alguém foi tão belo com você ontem, ele
estava tão bom que você está sentindo um grande amor por
ele. Isso não é amor. Isso é o outro lado do ódio. A
prova disso é a referência. Ou alguém será bom para você
amanhã, o jeito como ele sorri para você, o jeito como ele
fala com você, o jeito como ele convidou você para ir à
casa dele amanhã, ele será muito amável com você. E um
grande amor desabrocha.
Esse
não é o amor do qual Buda fala. Isso é ódio disfarçado
em amor. É por isso que o seu amor pode se transformar em
ódio a qualquer momento. Arranhe uma pessoa só um
pouquinho e o amor desaparecerá e o ódio crescerá. Ele não
é amor nem de raspão. Mesmo os chamados grandes amantes
estão continuamente lutando, continuamente no pescoço dos
outros, ranzinzas, destrutivos. E as pessoas pensam que isso
é amor...
O seu
amor não é realmente amor, ele é o seu oposto. Ele é ódio
disfarçado em amor, camuflado como amor, exibindo-se como
amor. O verdadeiro amor é sem referências. Ele não pensa
sobre o ontem nem sobre o amanhã. O verdadeiro amor é um
espontâneo jorrar de alegria em você... e o compartilhar
isso... e derramar isso... pela simples alegria de
compartilhar, sem qualquer outra razão, sem qualquer outro
motivo.
Os pássaros
cantando de manhã, esse cuco cantando lá longe... sem
qualquer razão. O coração está simplesmente cheio de
alegria e uma canção explode. Quando eu estou falando
sobre o amor, eu estou falando sobre esse amor. Lembre-se
disso. E se você puder entrar na dimensão desse amor, você
estará no paraíso, imediatamente. E você começará a
criar um paraíso na terra.
O
amor cria amor, assim como o ódio cria ódio.
........O ódio nunca dissolve o ódio, a escuridão não
pode dissolver a escuridão. Somente o amor dissolve o
ódio, somente a luz pode dissolver a escuridão. Essa é a
lei. O amor é luz, a luz de seu ser; e o ódio é a escuridão
de seu ser. Se você estiver escuro por dentro, você vai
sair lançando ódio por todos os lados. Se você tiver luz
dentro, então você irá irradiar luz ao seu redor.
Ais dhammo sanantano...
Buda sempre repete isso. Essa é a eterna lei. Qual é a
eterna lei? A que somente o amor dissolve o ódio, somente a
luz dissolve a escuridão. Por que? Porque a escuridão em
si mesma é apenas um estado negativo, ela não tem qualquer
existência positiva. Ela não existe na verdade. Como você
pode dissolvê-la? Você não consegue fazer coisa alguma
diretamente com a escuridão. Se você quiser fazer alguma
coisa com a escuridão, você terá que fazer com a
luz. Traga a luz para dentro e a escuridão irá embora.
Leve a luz para fora e escuridão entrará. Mas você não
poderá trazer escuridão para dentro ou para fora
diretamente, você não pode fazer coisa alguma com a
escuridão.
Lembre-se de que você também não pode fazer coisa alguma
com o ódio e essa é a diferença entre os professores da
moral e os místicos religiosos. Os professores da moral
seguem propondo a lei falsa. Eles propõem 'luta contra a
escuridão, luta contra o ódio, luta contra a raiva, luta
contra o sexo, luta contra isso, luta contra aquilo'. Toda a
abordagem deles é 'luta contra o negativo', enquanto o
verdadeiro e real mestre ensina a você a lei positiva: Ais
dhammo sanantano,
a lei eterna, 'não lute contra a escuridão'. E o ódio é
escuridão, o sexo é escuridão, o ciúme é escuridão, a
cobiça é escuridão e a raiva é escuridão.
Traga a luz
para dentro...
Como
a luz pode ser trazida para dentro? Torne-se silencioso, sem
pensamentos, consciente, alerta, atento, desperto.... É
assim que a luz é trazida para dentro. E no momento em que
você estiver alerta e consciente, o ódio não será
encontrado.Tente odiar alguém com consciência..... Esses são
experimentos a serem feitos, não apenas palavras a
serem entendidas, experimentos a serem feitos. É por isso
que eu digo: não tente entender apenas intelectualmente,
torne-se um experimentador existencial. Tente odiar alguém
conscientemente e verá que isso é impossível. Ou a consciência
desaparece e então você poderá odiar, ou, se você
estiver consciente, o ódio desaparecerá. Eles não podem
existir juntos. Não existe coexistência possível, a luz e
a escuridão não podem existir juntas, porque a escuridão
nada mais é que ausência de luz.
Os verdadeiros mestres ensinam a alcançar Deus, eles nunca
lhe dizem para renunciar ao mundo. Renúncia é negativo.
Eles nunca lhe dizem para escapar do mundo, eles lhe ensinam
ir para Deus. Eles ensinam a você alcançar a verdade, não
lutar contra as mentiras. E as mentiras são milhões. Se
você for lutar contra elas, isso levará milhões de vidas
e nada será alcançado. E a verdade é uma, e ela pode ser
alcançada instantaneamente, neste exato momento é possível....
A
vida é tão curta, tão momentânea... E você a está
desperdiçando em discussões? Use toda a energia para
meditação. É a mesma energia. Você pode brigar com ela
ou você pode se tornar uma luz através dela...
Buda
diz: Lembre-se, se você depende de seus sentidos, você
permanecerá muito frágil, porque os sentidos não podem
lhe dar força. Eles não lhe podem dar força porque eles não
podem lhe dar uma base constante. Eles estão constantemente
num fluxo, tudo está mudando. Onde você pode ter um
abrigo? Onde você pode construir uma base?
Num
momento esta mulher parece linda, num outro momento é uma
outra mulher. Se você decidir pelos sentidos, você estará
num constante caos, você não pode decidir porque os
sentidos seguem mudando suas opiniões. Num momento uma
coisa parece tão incrível, e num momento seguinte, ela é
simplesmente feia, insuportável. E nós dependemos desses
sentidos.
Buda
diz: Não dependa dos sentidos, dependa da consciência.
Consciência é alguma coisa escondida atrás dos sentidos.
Não são os olhos que vêem. Se você for a um especialista
em olhos ele irá dizer que são os olhos que vêem, mas
isso não é verdade. O olho é apenas um mecanismo, através
dele alguém vê. O olho é apenas uma janela e a janela não
pode ver. Quando você se coloca diante de uma janela, você
pode olhar para fora. Alguém que passa pela rua pode
pensar: 'a janela está me vendo'. O olho é apenas uma
janela, uma abertura. Quem está por trás dos olhos?
O
ouvido não ouve, quem está por trás do ouvido? Quem ouve?
Quem sente? Siga pesquisando isso e você encontrará alguma
base, de outra forma, sua vida será apenas uma folha seca
ao vento....
A
meditação fará você desperto, forte e humilde. A meditação
fará você desperto porque ela dará a você a primeira
experiência de si mesmo. Você não é o corpo e você não
é a mente. Você é pura consciência presenciando,
testemunhando. E quando essa consciência que testemunha é
tocada, um grande despertar acontece, como se uma cobra
estivesse quieta enroscada e de repente desse um bote, como
se alguém estivesse dormindo e tivesse sido chacoalhado e
despertasse. De repente, há um grande despertar interno.
Pela primeira vez você sente que você
é. Pela
primeira vez você sente a verdade de seu ser.
E
certamente isso faz você forte, você não é mais frágil,
não como uma árvore fraca que qualquer vento curva. Agora
você se tornou uma montanha. Agora você tem uma base,
agora você está enraizado, nenhum vento pode curvar a
montanha. Você se torna desperto, você se torna forte e
ainda, você se torna humilde. Essa força não traz
qualquer ego para você. Você se torna humilde porque você
se torna consciente de que a mesma alma que testemunha
existe em todo mundo, mesmo em animais, pássaros, plantas,
rochas. Essas são apenas maneiras diferentes de dormir.
Algumas pessoas dormem para o lado direito, algumas pessoas
dormem para o lado esquerdo e algumas pessoas dormem de
costas... Essas são maneiras diferentes de dormir. Uma
rocha tem sua maneira própria de dormir, uma árvore, uma
maneira diferente de dormir, um pássaro, uma maneira ainda
diferente. Mas são apenas diferenças nas maneiras e nos métodos
de dormir. Fora isso, mais profundamente, no centro de todo
ser, está o mesmo testemunhar, o mesmo Deus. Isso faz você
humilde, por que mesmo diante de uma rocha você sabe que
você não é ninguém especial, por que toda a existência
é feita da mesma substância chamada consciência. E se você
estiver desperto, forte e humilde, você se torna mestre de
si mesmo....."
OSHO - The Book of the Books - Volume I
Palestras sobre O Dhammapada, de Gautama, o Buda
tradução: Sw.Bodhi Champak
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© 2006 OSHO INTERNATIONAL FOUNDATION, Suiça.
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