Você diz: “eu
me entrego para poder alcançar o meu objetivo.”
O ego está sempre orientado para um objetivo. É sempre
ganancioso, está sempre se agarrando a algo. Ele está
sempre em busca de mais e mais e mais; é essa ideia de
“mais” que sustenta a vida do ego. Se você tem
dinheiro, ele almejará ter mais dinheiro; se você
tiver uma casa, ele desejará ter uma casa maior; se você
tem uma mulher, o ego desejará uma mulher ainda mais
bela. O ego sempre quererá mais. Ele tem uma fome
incessante. O ego vive no futuro e no passado.
Quando o ego está vivendo no passado, ele vive como um
colecionador – “eu tenho isto, mais isto e aquilo
outro”. Ele sente uma grande satisfação. “Eu tenho
isto” – poder, prestígio, dinheiro. Essas coisas
conferem um tipo de realidade a ele. Elas dão a ele a
noção de que “se eu possuo estas coisas, então eu
devo estar ali”; devido a tais coisas o ego consegue
dizer “eu existo”. E quando o ego está vivendo no
futuro, ele o faz através da idéia de “mais, mais e
mais”. Assim, ele vive da memória e também do
desejo.
O que é um objetivo? É um desejo: “eu tenho que
chegar lá, tenho que ser aquilo, tenho que alcançar.”
O ego não consegue viver no presente, porque o presente
é real e o ego é irreal – eles nunca se encontram. O
passado é irreal, simplesmente não existe mais. O
passado já foi real, mas enquanto ele estava presente o
ego não estava lá. Tão logo tenha desaparecido, ele
perde a qualidade de ser existencial, e o ego
imediatamente passa a colecionar e a acumulá-lo. O ego
agarra e acumula coisas mortas. O ego é um cemitério:
recolhe cadáveres e ossos mortos.
Ou ego também vive no futuro. Mais uma vez, o futuro
também é não existencial; o futuro ainda não é –
é apenas imaginação, fantasia, sonho. O ego também
pode viver através disso muito facilmente. Uma
falsidade harmoniza-se muito bem com outra falsidade;
todas as falsidades combinam perfeitamente. Traga
qualquer coisa existencial e o ego logo desaparece. Por
isso a insistência para que você esteja no presente,
no aqui e no agora. Apenas este momento... Se você for
inteligente, poderá dispensar todo e qualquer
pensamento acerca do que agora estou falando, perceberá
que aquilo sobre o qual estou discorrendo não é para
ser pensado ou analisado, mas simplesmente visto com
intensidade e totalidade neste exato momento. Uma visão
intensa, alerta, penetrante, focada, direta, imediata,
abrangente, total... e onde está o ego? Há apenas um
grande silêncio, nenhum passado existe, nenhum futuro
existe, apenas este momento está aqui . Então este
momento “é” e você “não é”. Permita
(autorize) que este momento seja e você não seja.
Sentirá um silêncio imenso, um silêncio profundo,
dentro e fora. E então não haverá nenhuma necessidade
de se entregar, pois você se alinhou com a verdade de
que na realidade você não existe, você não é –
apenas o momento presente é. Essa compreensão em si
realiza a entrega. Entregar-se significa compreender
verdadeiramente que você “não é”.
Não é uma questão de que você tenha de entregar-se a
mim, ou de que você tenha que entregar-se a Deus. Não
é sequer uma questão de que você tenha de
entregar-se, absolutamente. A entrega é um insight, uma
compreensão de que “eu não sou”. Percebendo que
“eu não sou, eu sou um nada, eu sou um vazio”, a
entrega aumenta cada vez mais. A flor da entrega cresce
na árvore da vacuidade. Ela jamais pode estar orientada
para o cumprimento de um objetivo.
Na natureza do ego é estar orientado para um objetivo.
Ele anseia pelo futuro. Ele pode ansiar até mesmo pela
outra vida, pode ansiar pelo céu, pelo nirvana. Não
importa aquilo pelo qual o ego anseia – ansiedade é
sempre ansiedade, desejo é sempre desejo, tudo isso está
sendo projetado no futuro.
Perceba isso! Perceba de uma só vez a totalidade do
mecanismo da mente. Eu não estou dizendo “pense sobre
isto”. Se você pensar, terá errado o alvo.
Novamente, o pensar tem a ver com o passado e futuro.
Olhe atentamente para isso, e perceba! Faça isso, e faça
agora! Não diga a si mesmo: “ok, farei depois que
chegar em casa”. Se você adiar, o ego apareceu, o
objetivo surgiu, o futuro entrou. Todas as vezes que você
envolver o tempo, estará caindo na armadilha da separação.
Permita que o momento esteja aqui, apenas este momento.
E então você percebe o que você é – você está
aqui, você não vai a lugar algum, e você não está
vindo de lugar nenhum. Você sempre esteve aqui. Aqui é
o único momento, o único espaço. Agora é a única
existência. É neste Agora que existe a rendição.
“Eu me entrego para alcançar o meu objetivo”,
você diz. “Eu
busco me entregar para obter a liberdade.”
Mas você é livre! Jamais você esteve aprisionada. Você
é livre, mas de novo há o velho problema: você deseja
a liberdade, mas não compreende que você só pode ser
verdadeiramente livre quando for livre de si mesma – não
existe outra liberdade além dessa. Todas as vezes que
você pensa sobre a liberdade, você imagina que o seu
“eu” estará lá e será livre. Mas você não vai
estar lá, somente a liberdade estará. Liberdade
significa que liberdade do próprio “eu”, ao invés
de “liberdade usufruída pelo eu”. No momento em que
a prisão desaparece, o prisioneiro também desaparece,
porque o prisioneiro é a prisão! Prisioneiro e prisão
são um. No momento em que você deixar a prisão, você
também não será. Haverá apenas um puro céu, puro
espaço. Esse espaço puro é chamado nirvana, moksha,
liberação.
Compreenda o que é liberdade, ao invés de tentar obtê-la.
“Eu busco me entregar para obter a liberdade.”
Nesse caso, você está usando a entrega como um meio,
enquanto que a entrega é o objetivo, é o fim em si
mesmo. Quando eu digo que a entrega é a nossa meta, não
estou dizendo que a entrega tem de ser alcançada
em algum lugar no futuro. Eu estou dizendo que a entrega
não é uma ação, não é uma ferramenta, não é uma
técnica, enfim, não é um meio a ser empregado; ela é
uma finalidade em si mesma. Não é que a entrega o
conduza à liberdade, entrega é liberdade! Elas são
sinônimos, significam exatamente a mesma coisa. Você
está olhando para a mesma coisa de dois ângulos
diferentes.
“... por isso penso que minha entrega não se
trata uma entrega verdadeira.”
Sua entrega não é real nem irreal. Não se trata nem
mesmo de entrega, absolutamente. Nem sequer é irreal.
“Eu consigo testemunhar isso, mas o problema é
que é justamente este ‘eu’ que está testemunhando.
Portanto, tudo o que decorre a partir desse “eu” que
testemunha só pode ser um reforço para o ego. Eu me
sinto enganada pelo meu ego.”
Quem é este “eu” que você diz estar se sentindo
enganado pelo ego? É o próprio ego. O ego é tal que
ele pode dividir a si próprio em vários fragmentos, em
várias partes, e então começa o jogo. Você é ao
mesmo tempo o caçador e a caça. Exatamente como um
cachorro tentando agarrar a própria cauda, saltando de
um lado para o outro e contorcendo-se. E você olha e vê
a absurdidade disso – mas você vê o absurdo, o cão
não pode vê-lo. Quanto mais ele acha difícil agarrar
a cauda, mais louco ele fica, e mais ele salta. E quanto
mais rápido e alto o cão salta, mais alto e mais e rápido
é o salto da cauda. E o cão não consegue conceber o
que está acontecendo: ele, um grande e exímio
apanhador, não consegue agarrar uma simples cauda?
Isso é exatamente que está acontecendo com você. É o
“eu” que se empenha em apanhar, e que o tempo todo
é o caçador e a presa. Perceba como isso é ridículo
e, mediante essa própria percepção, livre-se de tudo
isso.
Não há nada a ser feito, absolutamente – nem mesmo
uma única coisa. Eu digo: vocês já são aquilo que
você desejam se tornar. Vocês são Budas, jamais vocês
foram outra coisa. Basta que percebam.
E quando você diz “eu consigo testemunhar”, de novo
isso é o próprio ego. Sempre que você empreender a ação
de testemunhar, o “eu” será criado novamente,
porque o ato de testemunhar também é um fazer, há um
esforço envolvido. Relaxe. No relaxamento – quando não
há nada a ser observado e ninguém para observar, ou
seja, quando você não mais estiver integrado às divisões
da dualidade – então surge uma diferente
qualidade/espécie de testemunhar. Haverá o
testemunhar, mas não haverá a ação de
testemunhar. O “eu” não terá qualquer ação para
praticar. E o “eu” somente pode sobreviver se houver
uma ação ao qual possa se agarrar, porque é da ação
que ele retira o seu senso de “eu sou”. Assim,
diante desse tipo de testemunhar o ego é impotente.
Lembre-se: o testemunhar existe e ocorre por si mesmo,
tendo uma característica suave e passiva. Ele não é
agressivo. Se houver ação, o testemunhar se torna
agressivo: o esforço passa a ser necessário, você tem
de estar tenso. Esteja à vontade, descontraído,
relaxado. Fique no momento presente. Simplesmente esteja
aí, permitindo que tudo seja e ocorra por si mesmo.
Nessa consciência em que você está apenas aí sentado
sem fazer nada, a primavera chega e a grama cresce por
si só.
Esta é a síntese de toda a abordagem budista: O que
quer que você faça apenas criará e reforçará ainda
mais o fazedor (ego) – incluindo testemunhar, pensar,
entregar-se. Qualquer coisa que você fizer vai criar a
armadilha. Nada é necessário a ser feito de sua parte.
Apenas ser... e deixar as coisas acontecerem. Não tente
controlar, não tente manipular. Deixe que a brisa passe
por você, permita que os raios solares cheguem, permita
a vida dançar, e quando chegar o momento deixe que a
morte venha e dance a sua dança em você também.
Para mim esse é o significado de sannyas: não é algo
que você faz, e sim quando você abandonou todo o fazer
porque percebeu a absurdidade disso tudo. Quem você
pensa que é para fazer alguma coisa? Você é somente
uma onda nesse imenso oceano. Num dia você é, noutro
dia você desaparecerá; o oceano continuará. Por que
você deveria ficar tão preocupado? Você surge e
desaparece. Enquanto isso, durante esse pequeno
intervalo, você se torna tão preocupado e tenso, que
você toma sobre si todos os fardos, e carrega pedras em
seu coração – e por razão nenhuma.
Vocês são livres neste exato momento!
Eu os declaro iluminados neste exato momento. Mas vocês
não confiam em mim. Vocês dizem: “Está bem, Osho,
mas apenas diga-nos como nos tornamos iluminados.”
Esse impulso de querer se tornar, de querer alcançar e
de desejar, segue saltando sobre cada objeto com que você
se depara. Às vezes ocorre com o dinheiro, às vezes
com Deus. Às vezes com o poder, às vezes com a
meditação – o objeto pode ser qualquer um, e você
logo o agarra. Mas não se apegue, não possua; o
desprendimento é o caminho para viver a vida real, a
vida verdadeira.
Deixe as coisas acontecerem, deixe a vida ser um
acontecimento, e haverá apenas alegria, regozijo, júbilo
– de modo que jamais poderá haver uma frustração,
porque você nunca esperou por nada em primeiro lugar. O
que quer que venha é bom, é bem-vindo. Não há o
fracasso, nem o sucesso. O jogo do sucesso e do fracasso
foi descartado. O sol aparece pela manhã e o acorda, e
a lua surge à noite cantando uma canção de ninar e
você vai dormir. A fome vem e você come, e assim por
diante. Isso é o que os mestres Zen querem dizer quando
declaram: “Se estiver com fome, coma; quando estiver
com sono, vá dormir. Não existe outro caminho.”
E eu não estou lhe ensinando a ser inativo. Eu não
estou dizendo para não ir trabalhar. Não estou dizendo
para deixar ganhar o seu pão, nem estou dizendo para
renunciar ao mundo e depender dos outros – não, de
modo algum. Mas não seja um fazedor. Sim, você tem de
comer quando está com fome, e para comer você tem de
ganhar o seu pão – mas torne-se alerta de que não
existe ninguém fazendo isso. É a fome em si que está
agindo, mas não há ninguém fazendo isso. É a sede em
si que o leva a procurar por um poço ou por um rio. É
a própria sede agindo; não existe ninguém para estar
com sede. Descarte de sua vida os nomes e pronomes e
deixe que apenas os verbos existam.
Buda diz: A verdade é igual a quando você vê um dançarino:
o dançarino não existe, apenas a dança. Quando você
se depara com um rio, em verdade não há o rio, mas
apenas o fluir do rio. Existe o verbo e não o nome.
Quando você vê uma árvore, não há a árvore, existe
apenas o processo contínuo e constante de “ser” da
árvore. Quando você olha para um sorriso, não há
ninguém sorrindo, há apenas o sorriso: o verbo do
sorrir está acontecendo. A vida é um processo.
Mas nós fomos acostumados a pensar sempre em termos de
substantivos: nomes consumados, estáticos. Isso cria
problema. Na vida nada está concluído ou estagnado –
tudo é um fluxo, um fluir. Aprenda a viver com isso,
flua com isso, flua com este rio, e nunca seja um
fazedor. Mesmo quando você estiver fazendo, não seja
um fazedor. Apenas o fazer existe, mas não há o
agente. Quando esse insight se estabelecer profundamente
em você, então não haverá nada mais.
A iluminação não é algo como um objetivo a ser alcançado.
Ela é esta própria vida simples e comum que o rodeia.
Mas quando você não está se esforçando ou lutando
ocorre um milagre: esta vida comum torna-se
extraordinariamente bela. Então as árvores são mais
verdes, então os pássaros cantam em tons mais ricos, e
tudo o que está acontecendo ao redor é precioso.
Pedras comuns são diamantes.
Aceite esta vida tão simples e comum. Basta descartar o
fazedor, o “eu”. E quando eu digo para descartar o
fazedor, não se torne nesse ato um fazedor! Basta olhar
para ele e compreendendo a sua irrealidade. E ele
desaparece.
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