O legado que Osho nos deixou é muito vasto, variado e
profundo. São muitas as esferas e as dimensões de sua
abordagem, com insights sobre questões que muitas vezes nos
surpreendem, embora paradoxalmente as consideremos absolutamente
óbvias.
Enquanto
mestre iluminado, ele sempre insistiu que não queria
seguidores. Ao contrário, ele nos incentiva a irmos para
dentro, meditarmos e encontrarmos nosso mestre interior. Ele nos
quer livre de todas as muletas, inclusive dele próprio.
Várias
são as suas estratégias para quebrar nossas resistências,
para nos provocar e encorajar a darmos os passos que precisamos
dar, para nos sacudir e abrir nossos olhos.
É
claro que muitos não entenderam e não entendem estas suas
estratégias. Ficam olhando para o dedo que aponta para a lua e
não conseguem ver a lua. E o pior: nada conseguem ver além dos
Rolls-Royces e nada conseguem ver além das piadas picantes,
sobretudo aquelas em que ele debocha de outros mestres
espirituais. Mas tudo isso sempre funcionou como um filtro para
Osho: só chegam até ele aqueles que conseguem ver o algo a
mais escondido por trás das palavras, por trás das aparências,
por trás de suas estratégias.
Muitos
até conseguem ver algo além dessas aparências, mas ainda
ficam amarrados, questionando a construção lógica (ou a falta
dela) no que supostamente entendem como sendo o “pensamento”
do Osho, sem perceber que nada existe como sendo seu pensamento,
seu ensinamento, sua filosofia, ou coisa assim. Na verdade,
estar com Osho e um constante desafio à desconstrução e um
convite a entrarmos no espaço de não-mente.
Para
muitos, são desconcertantes certas afirmações do Osho que, na
verdade, são significativas dentro de sua abordagem. É quando,
por exemplo, ele cita e endossa para si mesmo a passagem de um
mestre que diz a seu discípulo, “se eu cruzar o seu caminho,
ainda que seja num sonho, corte a minha cabeça.”.. Ou naquela
sua resposta a um buscador que lhe agradecia pela ajuda valiosa
que encontrou em seus livros. Osho lhe disse, “os meus livros
terao sido realmente úteis, quando você for capaz de jogá-los
na fogueira.” Ou seja, livre-se mim; construa o seu próprio
caminho e siga-o, sem nenhum guia externo, sem nenhum guru, a não
ser o seu próprio ser. Aliás, é o que ele diz na continuação
do Texto do Mês desta edição: “O Mestre tem apenas que torná-lo
consciente de seu Mestre interior. Daí em diante, ele pode deixá-lo
consigo mesmo, pois a sua função estará realizada.”
Mas
a mente é esperta e se vale dessas afirmações para deixar de
lado os desafios e as provocações que a cada esquina o caminho
nos apresenta. A preguiça espiritual e a sabotagem do ego optam
pelo mais fácil, pelos atalhos que são anunciados em todos os
quiosques desta grande feira que é a vida. E se valem do fato
de Osho não estar mais no corpo para levantar questionamentos e
dúvidas. É aí que surge aquela legião dos que afirmam ser
necessário estar na presença de um mestre vivo. Osho já não
é o bastante para as suas necessidades. E perguntamos: a partir de quê essas
pessoas chegaram a tal conclusão? Se elas nunca estiveram na
presença de um iluminado, como podem saber que tal presença física
é indispensável para seu crescimento? É claro que quando Osho
estava no corpo, ele fez tal afirmação, convidando-nos para
estar em sua presença. Mas ele próprio nos dizia, em seguida,
para voltarmos para o mundo, pois era aqui que tínhamos que
estar. E dizia mais: estando no mundo, iríamos sentir que a
presença dele permaneceria ao nosso lado. Mais tarde ele ainda
disse que quando deixasse o corpo, seria mais fácil estar
conosco, pois agora não teria mais um fardo para carregar.
Afinal, onde ele estaria após deixar o corpo? Ele disse que
iria estar dissolvido nas flores e nas estrelas. Em forma de
energia ele permanece disponível para todos nós. Se ele não
era um “eu”, se ele não era uma pessoa, o que ele era,
enfim? Simplesmente uma presença, ele dizia. O corpo morreu,
mas a presença continua. Esta é a grande sacada.
Em
1987, em Puna-India, eu participei de um grupo com um terapeuta
do Osho chamado Fritjof que depois recebeu o nome de Rahasya - o
mesmo que hoje se declara iluminado. Naquela oportunidade, eu
tinha pouco mais de um ano de sannyas e fiquei muito
impressionado com a sensibilidade e habilidade que ele tinha ao
fazer com que uma série de bloqueios que cada participante
trazia escondido dentro de si viesse à tona e pudesse ser
expressado, jogado fora, propiciando um grande alívio a cada um
de nós. Nos momentos de silêncio e profundo relaxamento que se
seguiam, de uma maneira muito sutil, ele sempre deixava
absolutamente claro que tudo o que ali acontecia era trabalho do
Osho. O terreno estava limpo para que o mergulho no espaço
meditativo acontecesse como um convite natural e espontâneo,
sereno, pleno e tremendamente prazeroso. E a gente sentia que
Osho estava presente durante todo aquele trabalho. Era como se
ele estivesse ali ao lado, atuando em nós. Naquela época, Osho
ainda estava no corpo e o trabalho acontecia em sua
comuna.
Quinze
anos depois, Osho não estava mais presente no corpo e eu
participei como tradutor de um outro trabalho naquela mesma
comuna, conduzido por outra terapeuta do Osho, a Aneesha. E uma
experiência semelhante se repetiu. E quando foi levantada uma
questão sobre as dificuldades e os espinhos no caminho, a
resposta também foi absolutamente clara: entregue-se e confie,
pois Osho está presente. Na entrega e na confiança, o
relaxamento é alcançado e o um se dissolve no todo e o todo no
um; acontece a comunhão entre mestre e discípulo, entre o
individuo e a existência.
A
mente não consegue entender muito estas coisas. Ela não
consegue entender muito além da lógica do 2 + 2 = 4. Assim, as
pessoas querem estar na presença física de um iluminado para
conferir se vai mesmo ocorrer um arrepio interno, se vai haver
um desmaio, se a kundalini vai subir ou se o “santo vai
baixar”. Elas querem ver o milagre e se possivel com algum
registro, com uma prova testemunhal.
Por
outro lado, acontece que as massas querem líderes para guiá-la,
as pessoas procuram gurus para seguirem. É curioso como esta
mesma mente, que só acredita no 2 + 2 = 4, pode ser facilmente
ludibriada. No caminho do autoconhecimento e da busca
espiritual, muitos vislumbres acontecem e muitas ilusões também.
E, por se tratar de um caminho desconhecido, onde não há
um mapa para indicar a estrada, é muito fácil se perder e se
confundir. Um vislumbre real ou ilusório pode levar uma pessoa
à conclusão de que chegou a algum lugar. E se ela estiver
rodeada por um grupo ansioso por encontrar um guru, o casamento
é perfeito. Diante de tantas pessoas que começam a se curvar
diante dela, a pessoa começa a achar mesmo que chegou a algum
lugar.
Osho nos adverte dos riscos que sobretudo os terapeutas
correm nesse sentido. Numa célebre resposta a Sagarprya, ele
disse que, no seu trabalho, a função de um terapeuta nada mais
é do que a de um faxineiro que faz a limpeza do terreno,
dissolvendo os obstáculos para que a pessoa possa entrar mais
facilmente no estado meditativo. Mas quando o terapeuta se
revela eficiente no uso das ferramentas terapêuticas, há o
risco dele começar a achar que é ele próprio quem está
fazendo alguma coisa, que ele tem um poder especial e pouco a
pouco começa a entrar numa viagem de guru. E os participantes
dos grupos e sessões por sua vez reforçam essa viagem, na
medida em que se sentem beneficiados pelo trabalho e atribuem
todo o poder de transformação à presença e atuação do
terapeuta. No mundo do Osho estes riscos também estão
presentes e as viagens de guru não são ocorrências raras. Não
importa quantas vezes o nome do Osho é repetido, não importa
quantos cursos foram feitos em Puna, não importa o quanto se
anuncia como sendo “terapeuta do Osho”. Osho dizia que o ego
de terapeuta é um dos mais dificeis de serem dissolvidos. É
claro. Ele especializou-se em estudar todos os mecanismos da
mente, todas as expressões de emoções e sentimentos, todas as
partes do corpo onde se alojam e escondem as marcas das repressões,
das carências, dos desejos não realizados. Ele é o que poderíamos
chamar de um ego esperto. Mas a inocência é mais difícil de
ser alcancada por aquele que sabe tudo. A espontaneidade, a
simplicidade e a humildade não requerem sofisticação e
refinamento.
Assim, quando se fala em terapia segundo a visão do
Osho, é fundamental uma sintonia absoluta com a sua mensagem
como um todo e com as suas dicas específicas para este e aquele
trabalho. Aqui, duas coisas se fundem: o científico e o mágico.
Podemos até falar sobre o cientifico, mas o que falarmos a
respeito do magico? Assim, a sua mensagem tem que ser guardada e
observada como sendo ouro puro. Não por uma questão de
cegueira fanática, mas pela dimensao científica e sobretudo
pela dimensão mágica. No campo do crescimento interior, da
busca espiritual, cada mestre verdadeiro tem suas estratégias e
sua metodologia que até conseguimos ver e entender em parte.
Mas ele tem também a sua maneira mágica de chegar até nós e
fazer o seu trabalho, independente dele estar ou não encarnado.
O entendimento dessa questão está além da mente.
Algumas técnicas de meditação, criadas há quatro ou
seis mil anos, foram adaptadas por Osho para o homem ocidental
do século XXI. Cada técnica e cada um de seus estágios
compreendem sutilezas que ele como mestre é capaz de entender.
Ele é capaz de criar certas estratégias que provocam no
praticante a abertura de novas percepções e compreensões a
respeito de todo o seu processo pessoal. E não é à-toa que
Osho nos adverte para não alterarmos em absolutamente nada as
suas técnicas.
Com relação ao trabalho terapêutico, segundo a sua visão,
Osho deixou dicas que são chaves valiosas, orientações
passo-a-passo sobre os procedimentos nos grupos e nas sessões.
Um terapeuta do Osho desenvolve e conduz o seu trabalho terapêutico
em absoluta sintonia com essas orientacoes deixadas por ele. Um
terapeuta do Osho tem consciência de que ele não está fazendo
nada. Ele está sendo um instrumento, em sintonia com Osho e
fiel às suas orientações e dicas, e o trabalho acontece de
uma maneira mágica, onde nossa mente não consegue entender o
desabrochar de uma semente dentro da própria pessoa e menos
ainda, a presença do Mestre sussurrando no ouvido daquela
pessoa, convidando-a a se levantar e a dar os seus primeiros
passos em uma nova vida. O trabalho acontece na dimensao do ser
da própria pessoa. Por isto, Osho sempre enfatizou a importância
da meditação. No estado meditativo há o relaxamento completo,
a entrega total, o esvaziamento da mente. E, neste estado,
coisas acontecem... E para se chegar lá, a terapia é apenas
uma ponte, apenas uma preparação. Nada mais que isto.
É claro que existem milhares de terapeutas, muitos
sannyasins inclusive, que adotam outras abordagens terapêuticas
que não são as do Osho e que até são bem esclarecedoras a
respeito desse enigma que é o ser humano e que quando
utilizadas com sensibilidade e habilidade podem ajudar o
paciente nas dificuldades que enfrenta no seu dia-a-dia, na sua
convivência social, na sua luta pela sobrevivência. Mas
nenhuma modalidade de terapia, nenhuma técnica terapêutica em
si mesma nos leva a realização final de que nos falam os
grandes mestres de todos os tempos. Só a meditação pode nos
levar a acessar o nosso mestre interior, a luz que
verdadeiramente pode iluminar os nossos passos na construção
do nosso caminho, esse caminho que não está escrito em lugar
algum e que cabe a cada um construir o seu. E só um mestre
iluminado é capaz de saber quais ferramentas podem e devem ser
usadas e sob que circunstâncias, para que sejam criados os espaços
propícios ao desabrochar espiritual que ele próprio inspira,
provoca e estimula. Esta é a grande diferença entre a
Psicologia ocidental, que existe há poucos séculos, e a
Psicologia dos Budas que existe há vários milênios.
Psicologia dos Budas não é apenas uma expressão bonita, uma
frase de efeito para se adornar a embalagem de um produto que se
quer vender no mercado. Um autêntico terapeuta do Osho sabe
disso e antes de atuar como terapeuta ele sabe do caminho que
precisa percorrer, sobretudo no seu processo interno pessoal
enquanto buscador. Ele tem total consciência de que está no
mesmo barco junto com as pessoas com quem ele trabalha.
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