Primeiro semestre de 1988, Puna, Índia. Nosso mestre Osho havia
concluído sua “via crucis” contemporânea após ter sido
deportado dos Estados Unidos em 1985 e rejeitado por cerca de 20
países ao longo daquele ano e de 1986. Finalmente ele estava
reinstalado no seu ashram em Puna desde 1987, e uma nova fase do
“movimento”, por assim dizer, encontrava-se em curso. Saniássins
do mundo todo começavam a peregrinar rumo ao local onde tudo
começara com o Neo-Sannyas do então Rajneesh, em 1974, no
endereço “17 Koregaon Park”, na cidade de Puna, no Sul da
Índia. A comuna reflorescia, os discípulos não utilizavam
mais um padrão específico de roupa e cor (que antes havia sido
o laranja e depois o vinho); e os “malas” com a foto de
Bhagwan também não eram mais exibidos por fora do vestuário.
“Rajneesh” era um nome nas listas negras de embaixadas e
consulados em vários países e em portões de entrada
internacional na própria Índia. Havíamos sido advertidos,
antes de aterrissar e desembarcar na Índia, a eliminar qualquer
indício mais evidente de que tínhamos vinculação e interesse
por Rajneesh e seu trabalho. Ao apresentarmos nossos passaportes
e sermos entrevistados pelas autoridades indianas, no aeroporto,
deveríamos informar que éramos turistas em viagem de passeio
nos dirigindo para um hotel cinco estrelas em Bombay. Assumir a
condição de saniássins do Mestre ou visitantes a caminho do
seu ashram poderia representar risco de problemas indesejáveis
e de conseqüências imprevistas.
Chegando à Puna, finalmente, depois do sufoco de entrar na
Terra dos Budas omitindo a nossa condição de buscadores,
encontramos um ashram cheio de vida, atividades e “não-atividades”,
é claro: se lembrarmos que, acima de tudo, meditação é não-fazer, agir pela não-ação, silenciar, observar, aquietar
mente e corpo, espírito e emoções, relaxar, integrar-se,
descontrair dentro de si mesmo...
Gente de todo o mundo, como sempre, borbulhava pela comunidade,
mas especialmente, naquela fase, havia uma presença forte de
alemães, de norte-americanos, de australianos; de outros
europeus, de asiáticos (japoneses e coreanos em particular); e
muitos brasileiros, sim, um monte deles. Eu estava muito
realizado e pleno interiormente por estar naquele lugar, naquele
momento, na presença física
do Mestre, e no que se apresentava como uma nova e derradeira
fase de seu trabalho. Cerca de um ano e meio depois, no começo
de 1990 – já na
condição assumida com seu novo nome “Osho” –, o Mestre
deixaria o corpo. Para seu epitáfio, ele deixara a inscrição
que viria a ser gravada em mármore junto às suas cinzas, com a
afirmativa de que jamais nascera, jamais morrera: apenas
visitara este Planeta Terra de 11 de dezembro de 1931 a 19 de
janeiro de 1990.
Futuro comum ou
suicídio global?
O século XX estava chegando aos seus últimos 12 anos, e a ONU
havia lançado, em 1987, o Relatório Brundtland, que recomendou
a criação de uma nova carta ou declaração universal sobre a
proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Publicado
com o título de “Nosso futuro comum”, o documento apontou
para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e
os padrões de produção e de consumo vigentes.
A publicação,
fruto também de ações e iniciativas de ONGs ambientalistas,
continha advertências sinalizadoras da evidente crise da
civilização em diversos campos, incluindo especialmente
aspectos ambientais, de injustiça social, de violência e
guerras, falta de água potável, fome e doenças endêmicas.
Denunciava o tamanho do orçamento militar mundial, em
contraposição à falta de recursos em populosas regiões do
mundo onde não havia – e não há ainda – recursos para
custear as mais elementares vacinas à população pobre, e
especialmente às crianças.
Sempre
atento ao que acontecia no mundo e ao seu redor, Rajneesh não
perdeu a oportunidade e pinçou os principais temas do relatório
da ONU e teceu análises, prognósticos e proposições sobre o
que considerava urgente e fundamental alertar a seus discípulos
e à comunidade humana de um modo global. Aquele relatório
oficial da ONU, em si, não ganhou as manchetes internacionais
da época: ao contrário do impacto que causou, neste 2007, por
exemplo, a divulgação de um novo e muito mais contundente
relatório especificamente centrado na questão ambiental e suas
implicações no clima do Planeta. Parece que, estranhamente,
somente agora, a opinião pública mundial está sendo capaz de começar a
dimensionar o tamanho da encrenca em que estamos embarcados
coletivamente.
Rajneesh,
entretanto, antevia com formidável lucidez o tamanho dos
problemas que já assolavam o mundo, e o quanto eles tendiam a
se agravar quase que inexoravelmente, caso a Humanidade não
acordasse para o estado de calamidade que ele enunciava, com
pesar, como um caminho para o “suicídio global”. Diante
daquele cenário – que se agravou progressivamente de 1988
para cá –, Rajneesh dizia que cada um de nós tinha a
responsabilidade de fazer uma opção muita clara e consciente
entre continuar a ser “coveiro” deste velho mundo, ou,
“parteiro” de uma Nova Humanidade. E resumia que a solução
principal para o desafio precisava vir de dentro de cada um, com
o apoio crucial da meditação e de um tipo de ser humano com
uma mente mais descondicionada, criativa, sábia, amorosa.
Aos 57
anos incompletos, o Mestre já estava doente, com a aparência
eventualmente abatida, com as feições momentaneamente um pouco
desfiguradas, com sintomas de envelhecimento precoce e
acelerado. Dizia que suas articulações por vezes doíam a
ponto de mal conseguir mexer-se. Usava, freqüentemente, roupas
mais escuras, incluindo o marrom, o preto ou tons de cinza,
contrastando com as simples e alvas túnicas brancas que
utilizara na maior parte do seu trabalho espiritual desde os
anos 60 até o final dos anos 70, quando migrou para os Estados
Unidos em 1980. Aliás, foi exatamente lá, em 1985, que
possivelmente ele sofreu um processo sofisticado e sutil de
envenenamento, segundo amplamente sustentado no livro de mais de
500 páginas de sua discípula Maneesha, ainda sem tradução
para o português: “Bhagwan: twelve days that shook the
world”, publicado pela The Rebel Publishing House.
Mesmo
assim, Rajneesh mantinha sempre um sorriso na face, ao abençoar
em namastê o auditório Buddha Hall, que podia reunir,
à noite, alguns milhares de discípulos, amigos e visitantes do
ashram em Puna. Entretanto, naquele abril e maio de 1988,
Rajneesh já não recebia mais tantos discípulos
individualmente na sua casa na comunidade; havia reduzido
drasticamente suas “atividades” cotidianas ; e algo começava
a prenunciar que o rumo do Neo-Sânias Internacional criado por
ele nos anos 70 sofreria um inusitado abalo no verão de 1990:
Rajneesh orientou a produção do vídeo “Manifesto”
(versado para o português e disponível hoje via
www.oshobrasil.com.br), lançando seu sinal de alerta
especialmente às elites intelectuais, artísticas e científicas
do mundo; e de algum modo também indicando que seu tempo de
trabalho aqui na Terra estava chegando – precipitadamente –
ao fim, e que ele tinha urgência que sua mensagem alcançasse a
todos, nos quatro cantos do Planeta.
O papel das
meditações e o sonho de Osho
Foi a partir deste contexto que houve uma revalorização das técnicas
tradicionais de meditação criadas e adaptadas por Rajneesh até
então, e a renovação e criação de um repertório ampliado
que incluiu o nascimento da No-mind Meditation (baseada
no princípio da antiga Gibberish); o surgimento da meditação
e do grupo de terapia “Rosa Mística”, que trabalhava com a
expressão do riso, do choro e a vivência do silêncio em
particular ; e o desenvolvimento, também, de outras das
últimas técnicas criadas e orientadas pelo Mestre, como
a Chakra Sound e a Chakra Breathing.
Para um
mundo em caos e autodestruição (conceito também prenunciado
ancestralmente pelo Calendário Maia, que previa nossa época
como “o ápice da degeneração humana”, e cujo começo da
possibilidade de um salto quântico se daria por volta de 2012,
daqui a cinco anos portanto), Rajneesh buscou reunir toda a sua
energia e a de sua comunidade de discípulos num esforço para
oferecer à Humanidade conhecimentos e ferramentas de expressão,
investigação e desenvolvimento interior que pudessem aliviar o
karma e o peso individual e coletivo de nossas vidas.
De 1988 a
1989, determinou que toda a sua obra reproduzida em livros,
fitas e vídeos fosse vendida praticamente a preço de custo;
orientou a elaboração de material de informação e comunicação
que incentivasse discípulos e interessados do mundo todo a
irem à Puna, num clima de “a hora é agora” (Osho Now);
deixou as diretrizes de quais (e como) deveriam ser seus próximos
livros; encerrou sua última série de palestras focando o papel
do Zen como porta de libertação da atual Humanidade; e
reverenciou a Buda destacando a importância de cada um de nós
recordar-se continuamente de sua própria consciência interna
de ser também um “Buda” (samasati, do sânscrito).
Adotando
o nome de Osho, o Mestre pediu que lembrássemos dele por
esta chave, este mantra, este protocolo de acesso. Disse que sua
energia, depois de deixar o corpo, estaria ainda muito mais
disponível a seus discípulos e ao Planeta como um todo.
Lembrou-nos para não criarmos nenhuma organização ou igreja
institucionalizada em seu nome. Alertou-nos de que não teria
nenhum representante ou médium que falaria por ele. Não deixou
especificações e critérios para hierarquizar o grau de evolução
dos seus discípulos e amigos “seguidores”; e não
incentivou que qualquer um de nós se sentisse numa missão ou
cruzada pela sua obra.
Falou
apenas – o que está registrado como algumas de suas últimas
palavras testemunhadas pelo seu discípulo e médico pessoal,
Amrito – que deixava a nós o seu “sonho”. E que
“sonho” seria este ao qual Osho se referiu tão
resumidamente momentos antes de seu corpo morrer?
É possível
inferir, intuir ou enxergar integralmente o que o Mestre quis
expressar com estas palavras? Sim, e não. Sim, porque cada discípulo
e amigo de Osho é um ser potencialmente livre, consciente e
sensível para interpretar, comungar e vivenciar as palavras de
nosso Mestre como se sentir mais orgânica e autenticamente
inspirado e inclinado. E não, porque Osho era, acima de tudo,
um Ser de “não-palavras” ; ou, um Mestre que usou as
palavras apenas para nos levar a um estado de silêncio, de
bem-aventurança, de alegria e relaxamento interior, espiritual,
que jamais poderá ser totalmente descrito.
O
“sonho de Osho”, entretanto, pode ser recordado, neste 2007,
como o sonho de uma Humanidade que não se autodestrua, mas que
se aperfeiçoe e transcenda sua ignorância e inconsciência;
uma Humanidade que assuma a responsabilidade individual e
coletiva de olhar para dentro de si mesma e comprometer-se com a
vida e o crescimento; uma Humanidade que se mova dos velhos para
os novos paradigmas que integram espírito e corpo, energia e
matéria, razão e intuição, enigmas e mistérios, dentro de
uma só sabedoria, um só coração, um só ente iluminado,
amoroso e integrado, em paz, em silêncio, irmanado com o Todo.
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