Conexão Brasil                             março de 2007
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O “Manifesto de Osho” e sua antevisão do século XXI

 

por Anand Neerava (*)

 

          Osho, como Mestre espiritual contemporâneo integralmente comprometido com os destinos da Humanidade e do Planeta, assinalava, já em 1988, o que veio a se tornar evidência científica irrefutável, neste 2007, quanto ao estado de calamidade ambiental que vivemos e a demanda mais do que urgente de fazermos algo efetivamente transformador para mudarmos nossas atitudes internas e externas visando à preservação da vida e da harmonia dos ecossistemas da Terra. A meditação, mais do que nunca, precisa ser revalorizada como uma ferramenta essencial para evitarmos o suicídio global e nos comprometermos com um futuro comum mais dourado, pleno, iluminado.

 

 

Osho em um de seus encontros com discípulos no Buddha Hall, no ashram de Puna, Índia, em 1988. Foto original: Osho Press Office. Tratamento digital: Prem Shiven

 

          Primeiro semestre de 1988, Puna, Índia. Nosso mestre Osho havia concluído sua “via crucis” contemporânea após ter sido deportado dos Estados Unidos em 1985 e rejeitado por cerca de 20 países ao longo daquele ano e de 1986. Finalmente ele estava reinstalado no seu ashram em Puna desde 1987, e uma nova fase do “movimento”, por assim dizer, encontrava-se em curso. Saniássins do mundo todo começavam a peregrinar rumo ao local onde tudo começara com o Neo-Sannyas do então Rajneesh, em 1974, no endereço “17 Koregaon Park”, na cidade de Puna, no Sul da Índia. A comuna reflorescia, os discípulos não utilizavam mais um padrão específico de roupa e cor (que antes havia sido o laranja e depois o vinho); e os “malas” com a foto de Bhagwan também não eram mais exibidos por fora do vestuário.
          “Rajneesh” era um nome nas listas negras de embaixadas e consulados em vários países e em portões de entrada internacional na própria Índia. Havíamos sido advertidos, antes de aterrissar e desembarcar na Índia, a eliminar qualquer indício mais evidente de que tínhamos vinculação e interesse por Rajneesh e seu trabalho. Ao apresentarmos nossos passaportes e sermos entrevistados pelas autoridades indianas, no aeroporto, deveríamos informar que éramos turistas em viagem de passeio nos dirigindo para um hotel cinco estrelas em Bombay. Assumir a condição de saniássins do Mestre ou visitantes a caminho do seu ashram poderia representar risco de problemas indesejáveis e de conseqüências imprevistas.
          Chegando à Puna, finalmente, depois do sufoco de entrar na Terra dos Budas omitindo a nossa condição de buscadores, encontramos um ashram cheio de vida, atividades e “não-atividades”, é claro: se lembrarmos que, acima de tudo, meditação é não-fazer, agir pela não-ação, silenciar, observar, aquietar mente e corpo, espírito e emoções, relaxar, integrar-se, descontrair dentro de si mesmo...
          Gente de todo o mundo, como sempre, borbulhava pela comunidade, mas especialmente, naquela fase, havia uma presença forte de alemães, de norte-americanos, de australianos; de outros europeus, de asiáticos (japoneses e coreanos em particular); e muitos brasileiros, sim, um monte deles. Eu estava muito realizado e pleno interiormente por estar naquele lugar, naquele momento, na presença  física do Mestre, e no que se apresentava como uma nova e derradeira fase de seu trabalho. Cerca de um ano e meio depois, no começo de 1990 –  já na condição assumida com seu novo nome “Osho” –, o Mestre deixaria o corpo. Para seu epitáfio, ele deixara a inscrição que viria a ser gravada em mármore junto às suas cinzas, com a afirmativa de que jamais nascera, jamais morrera: apenas visitara este Planeta Terra de 11 de dezembro de 1931 a 19 de janeiro de 1990.

Futuro comum ou suicídio global?

          O século XX estava chegando aos seus últimos 12 anos, e a ONU havia lançado, em 1987, o Relatório Brundtland, que recomendou a criação de uma nova carta ou declaração universal sobre a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Publicado com o título de “Nosso futuro comum”, o documento apontou para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e de consumo vigentes.
          A publicação, fruto também de ações e iniciativas de ONGs ambientalistas, continha advertências sinalizadoras da evidente crise da civilização em diversos campos, incluindo especialmente aspectos ambientais, de injustiça social, de violência e guerras, falta de água potável, fome e doenças endêmicas. Denunciava o tamanho do orçamento militar mundial, em contraposição à falta de recursos em populosas regiões do mundo onde não havia – e não há ainda – recursos para custear as mais elementares vacinas à população pobre, e especialmente às crianças.
          Sempre atento ao que acontecia no mundo e ao seu redor, Rajneesh não perdeu a oportunidade e pinçou os principais temas do relatório da ONU e teceu análises, prognósticos e proposições sobre o que considerava urgente e fundamental alertar a seus discípulos e à comunidade humana de um modo global. Aquele relatório oficial da ONU, em si, não ganhou as manchetes internacionais da época: ao contrário do impacto que causou, neste 2007, por exemplo, a divulgação de um novo e muito mais contundente relatório especificamente centrado na questão ambiental e suas implicações no clima do Planeta. Parece que, estranhamente, somente agora,  a opinião pública mundial está sendo capaz de começar a dimensionar o tamanho da encrenca em que estamos embarcados coletivamente.
          Rajneesh, entretanto, antevia com formidável lucidez o tamanho dos problemas que já assolavam o mundo, e o quanto eles tendiam a se agravar quase que inexoravelmente, caso a Humanidade não acordasse para o estado de calamidade que ele enunciava, com pesar, como um caminho para o “suicídio global”. Diante daquele cenário – que se agravou progressivamente de 1988 para cá –, Rajneesh dizia que cada um de nós tinha a responsabilidade de fazer uma opção muita clara e consciente entre continuar a ser “coveiro” deste velho mundo, ou, “parteiro” de uma Nova Humanidade. E resumia que a solução principal para o desafio precisava vir de dentro de cada um, com o apoio crucial da meditação e de um tipo de ser humano com uma mente mais descondicionada, criativa, sábia, amorosa.
          Aos 57 anos incompletos, o Mestre já estava doente, com a aparência eventualmente abatida, com as feições momentaneamente um pouco desfiguradas, com sintomas de envelhecimento precoce e acelerado. Dizia que suas articulações por vezes doíam a ponto de mal conseguir mexer-se. Usava, freqüentemente, roupas mais escuras, incluindo o marrom, o preto ou tons de cinza, contrastando com as simples e alvas túnicas brancas que utilizara na maior parte do seu trabalho espiritual desde os anos 60 até o final dos anos 70, quando migrou para os Estados Unidos em 1980. Aliás, foi exatamente lá, em 1985, que possivelmente ele sofreu um processo sofisticado e sutil de envenenamento, segundo amplamente sustentado no livro de mais de 500 páginas de sua discípula Maneesha, ainda sem tradução para o português: “Bhagwan: twelve days that shook the world”, publicado pela The Rebel Publishing House.
          Mesmo assim, Rajneesh mantinha sempre um sorriso na face, ao abençoar em namastê o auditório Buddha Hall, que podia reunir, à noite, alguns milhares de discípulos, amigos e visitantes do ashram em Puna. Entretanto, naquele abril e maio de 1988, Rajneesh já não recebia mais tantos discípulos individualmente na sua casa na comunidade; havia reduzido drasticamente suas “atividades” cotidianas ; e algo começava a prenunciar que o rumo do Neo-Sânias Internacional criado por ele nos anos 70 sofreria um inusitado abalo no verão de 1990: Rajneesh orientou a produção do vídeo “Manifesto” (versado para o português e disponível hoje via www.oshobrasil.com.br), lançando seu sinal de alerta especialmente às elites intelectuais, artísticas e científicas do mundo; e de algum modo também indicando que seu tempo de trabalho aqui na Terra estava chegando – precipitadamente – ao fim, e que ele tinha urgência que sua mensagem alcançasse a todos, nos quatro cantos do Planeta.

O papel das meditações e o sonho de Osho

          Foi a partir deste contexto que houve uma revalorização das técnicas tradicionais de meditação criadas e adaptadas por Rajneesh até então, e a renovação e criação de um repertório ampliado que incluiu o nascimento da No-mind Meditation (baseada no princípio da antiga Gibberish); o surgimento da meditação e do grupo de terapia “Rosa Mística”, que trabalhava com a expressão do riso, do choro e a vivência do silêncio em particular ; e o desenvolvimento, também, de outras das  últimas técnicas criadas e orientadas pelo Mestre, como a Chakra Sound e a Chakra Breathing.
          Para um mundo em caos e autodestruição (conceito também prenunciado ancestralmente pelo Calendário Maia, que previa nossa época como “o ápice da degeneração humana”, e cujo começo da possibilidade de um salto quântico se daria por volta de 2012, daqui a cinco anos portanto), Rajneesh buscou reunir toda a sua energia e a de sua comunidade de discípulos num esforço para oferecer à Humanidade conhecimentos e ferramentas de expressão, investigação e desenvolvimento interior que pudessem aliviar o karma e o peso individual e coletivo de nossas vidas.
          De 1988 a 1989, determinou que toda a sua obra reproduzida em livros, fitas e vídeos fosse vendida praticamente a preço de custo; orientou a elaboração de material de informação e comunicação que incentivasse discípulos e interessados do mundo todo a irem à Puna, num clima de “a hora é agora” (Osho Now); deixou as diretrizes de quais (e como) deveriam ser seus próximos livros; encerrou sua última série de palestras focando o papel do Zen como porta de libertação da atual Humanidade; e reverenciou a Buda destacando a importância de cada um de nós recordar-se continuamente de sua própria consciência interna de ser também um “Buda” (samasati, do sânscrito).
          Adotando o nome de Osho, o Mestre pediu que lembrássemos dele por esta chave, este mantra, este protocolo de acesso. Disse que sua energia, depois de deixar o corpo, estaria ainda muito mais disponível a seus discípulos e ao Planeta como um todo. Lembrou-nos para não criarmos nenhuma organização ou igreja institucionalizada em seu nome. Alertou-nos de que não teria nenhum representante ou médium que falaria por ele. Não deixou especificações e critérios para hierarquizar o grau de evolução dos seus discípulos e amigos “seguidores”; e não incentivou que qualquer um de nós se sentisse numa missão ou cruzada pela sua obra.
          Falou apenas – o que está registrado como algumas de suas últimas palavras testemunhadas pelo seu discípulo e médico pessoal, Amrito – que deixava a nós o seu “sonho”. E que “sonho” seria este ao qual Osho se referiu tão resumidamente momentos antes de seu corpo morrer?
          É possível inferir, intuir ou enxergar integralmente o que o Mestre quis expressar com estas palavras? Sim, e não. Sim, porque cada discípulo e amigo de Osho é um ser potencialmente livre, consciente e sensível para interpretar, comungar e vivenciar as palavras de nosso Mestre como se sentir mais orgânica e autenticamente inspirado e inclinado. E não, porque Osho era, acima de tudo, um Ser de “não-palavras” ; ou, um Mestre que usou as palavras apenas para nos levar a um estado de silêncio, de bem-aventurança, de alegria e relaxamento interior, espiritual, que jamais poderá ser totalmente descrito.
          O “sonho de Osho”, entretanto, pode ser recordado, neste 2007, como o sonho de uma Humanidade que não se autodestrua, mas que se aperfeiçoe e transcenda sua ignorância e inconsciência; uma Humanidade que assuma a responsabilidade individual e coletiva de olhar para dentro de si mesma e comprometer-se com a vida e o crescimento; uma Humanidade que se mova dos velhos para os novos paradigmas que integram espírito e corpo, energia e matéria, razão e intuição, enigmas e mistérios, dentro de uma só sabedoria, um só coração, um só ente iluminado, amoroso e integrado, em paz, em silêncio, irmanado com o Todo.

 

 

 

(*) Anand Neerava foi iniciado por Osho em 1977. Este artigo foi produzido na Ilha de Santa Catarina, em fevereiro de 2007, especialmente para o informativo eletrônico Osho Conexão Brasil, da comunidade sânias e amigos do Mestre em língua portuguesa.

   

 

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