Conexão Brasil                         abril de 2008
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Toque de Mestre 

 

 

Atravessando o túnel 

 

            Amado Osho,

            Consta que Gurdjieff disse: “Os homens comuns nunca experienciam o verdadeiro sofrimento e a verdadeira tristeza, pois eles vivem vidas mecânicas e rotineiras, e seus problemas são rotineiros, automáticos e inescapáveis. Mas um homem que por vontade própria assumiu a extraordinária e desnecessária sobrecarrega do trabalho, somente ele sabe o sabor da verdadeira tristeza e dos males do coração, pois ele sofrerá a dor e as pressões que a vida comumente não requer.”.
            Amado Osho, muito embora Você conte piadas e encha nossos corações com riso enquanto silenciosamente vai cortando nossas cabeças com Sua invisível espada, eu sinto, às vezes, que Você sofre mais devido ao nosso sono e inconsciência. Por favor, perdoe-nos.

            Jivan Mada, sua pergunta é certamente de muito extraordinária significância. Somente Gurdjieff, um homem como Gurdjieff, poderia fazer tal afirmação. Mas ela é, de fato, verdadeira. Ele está dizendo:

   “Os homens comuns nunca experienciam o verdadeiro sofrimento e a verdadeira tristeza, pois eles vivem vidas mecânicas e rotineiras (...)”

            Não é que não haja sofrimento, mas eles estão acostumados a ele. Em segundo lugar, o sofrimento deles é reprimido. Eles vivem numa camada muito fina de consciência; por baixo, está todo o inferno. De vez em quando ele vem à tona, mas, de um modo geral, o homem comum vive toda a sua vida sem saber quanto sofrimento, quanta miséria ele carrega dentro de si.
            De certo modo, ele é feliz e, de outro modo, o mais infeliz, porque se ele tivesse se tornado consciente de sua miséria e sofrimento, não haveria ninguém que pudesse impedi-lo de sair fora dessa inconsciência, sair fora dessa vida mecânica rotineira e tornar-se um ser acordado, consciente.
            Mas eu digo que, por outro lado, ele é feliz, porque ele não sabe que está carregando um inferno inteiro dentro de si mesmo. Basta uma espetada no seu saco de bagagem e você verá quanta miséria, quanto sofrimento. As pessoas nem sequer falam sobre essas coisas, porque até as palavras podem provocar a subida de seus próprios sofrimentos à superfície. As pessoas não falam da morte...
            (...)

            Eis o que Gurdjieff está dizendo: O verdadeiro sofrimento e a verdadeira tristeza nunca se tornam uma experiência para o homem comum. E, ao dizer “homem comum”, ele não está condenando ninguém. Ele está simplesmente dizendo: todo homem inconsciente é um homem comum. Ele não tem consciência nem de si mesmo – o que pode ser mais comum? Ele viveu uma vida de setenta anos e não se encontrou.
            Mas a razão é que as pessoas criam barreiras entre elas mesmas e suas realidades inconscientes, que contêm vidas de sofrimento, de dor. Elas têm medo de se confrontar com isso. E a menos que o encarem, não poderão encarar aquilo que está além do sofrimento, aquilo que é venturoso, aquilo que é a nossa verdadeira natureza – nossa eternidade, nossa alegria, nossa dança, nossas flores.
            As pessoas não podem alcançar suas próprias flores. Uma grande barreira de sofrimento inconsciente reprimido...
            E você sabe como o sofrimento é reprimido. Por exemplo, 

alguém morre e você começa a chorar. Imediatamente, algum sábio vai lhe dizer: “Não seja emotivo; a morte é uma coisa natural, acontece a todo mundo. Não há nada nela. E não é másculo... – lágrimas...!? Você é uma mulher?”.
           
Mesmo a garotos pequenos se diz: “Não seja maricas!”.  Seus pais morreram e eles não podem chorar, porque isso os deixaria expostos... – eles não seriam homens, fortes, não-emotivos, corajosos, que podem encarar tudo.
            Esse choro e lágrimas são permitidos às mulheres.
            Mas isso não quer dizer que essa afirmação é verdadeira somente em relação aos homens e não às mulheres. Ela é mais verdadeira quanto aos homens, mas também é verdadeira quanto às mulheres. Elas também vão suprimindo suas tristezas, suas misérias, de modos diferentes. Apenas o modo é diferente. Elas se distraem com suas jóias, com a televisão, fazendo compras, indo daqui para ali, falando sem parar: “yakety-yak, yekety-yak...”. Elas estão evitando algo, fugindo de algo. Elas não querem ver aquilo; elas querem se esquecer das feridas que existem dentro.
            Assim, de certo modo, elas são felizes, mas não realmente. Os verdadeiramente afortunados são aqueles sobre quem Gurdjieff diz:

   “(...) um homem que por vontade própria assumiu a extraordinária e desnecessária sobrecarrega do trabalho(...)

            Olhe para suas palavras: nenhum mestre foi capaz de fazer tais afirmações... – é por isso que ele foi o homem mais mal compreendido que se possa imaginar. Ele está dizendo: “Um homem que por vontade própria assumiu a extraordinária e desnecessária sobrecarrega do trabalho...”. E por “o trabalho” ele quer dizer cavar dentro da sua inconsciência, indo tão fundo quando possível. A menos que você alcance a verdadeira fonte da sua vida, você terá de sofrer muito.  
            É desnecessário, diz ele, porque você pode viver como um homem comum. Ninguém o está obrigando. É extraordinário, porque as pessoas comuns vão à igreja, não para dentro de si mesmas. Elas lêem a
Bíblia, elas não lêem seus próprios inconscientes. Elas fazem adoração no templo, mas elas não se expõem na meditação.   
            Gurdjieff costuma dar o nome de “trabalho”, porque ele é assumido somente por pessoas muito inteligentes, corajosas, fortes – pela simples razão de que você pode viver sem entrar em tudo isso, você pode apenas ser um agente ferroviário por toda a sua vida, ou um negociante, ou um funcionário, ou um padre. Não há nenhuma necessidade de se entrar em tal sofrimento e tristeza.  
            Mas você não escapará disso. Mesmo na sua próxima vida, isso continuará, e acumulará mais sofrimento desta vida. Cada vida, camada após camada, vai coletando tudo que não foi vivido, expresso, que ficou inacabado, não-vivido, o reprimido.  
            No budismo – e talvez somente no budismo – há uma técnica para se descobrir quantas vidas você já viveu antes. E o modo é contar as camadas – da mesma forma que ao cortar a árvore você sabe da vida da árvore pelos círculos, quantos anos ela tem, porque a cada ano um círculo é feito. Assim, se a árvore tem duzentos anos de idade, você encontrará duzentos círculos na madeira.  
            Exatamente do mesmo modo, cada vida deixa um círculo de sofrimento e tristeza dentro de você. Isso pode ser contado, a quantas vidas você vem reprimindo, quantas vidas você viveu antes. Mas, quanto mais você viveu, mais difícil se torna entrar no seu reino interior.  
            O sacerdote comum, o pregador vão falando sobre coisas lindas – boas ações, virtude, caridade, compartilhar... e você entrará no reino de Deus. Não é tão fácil assim. Primeiramente, você tem de acabar com todo o seu inconsciente. E esse inconsciente é o que os místicos chamam de “a noite escura da alma”.  
            Somente gente muito inteligente assumirá essa carga desnecessária, porque:

“somente ele sabe o sabor da verdadeira tristeza e do mal do coração, pois ele sofrerá a dor e as pressões que a vida comumente não requer.”.

            Você pode viver muito superficialmente, você pode evitar a noite escura da alma, mas se você evitar a noite escura da alma, você estará evitando todos os seus tesouros. Você estará evitando o próprio significado da sua vida e existência. Desse modo, o homem inteligente assume o desafio e entra no túnel escuro, que parece ser sem fim. Mas ele termina um dia. Se você for com coragem, sabendo que pessoas foram além dele – essa é a beleza de se estar com um mestre, porque você sabe que, pelo menos, um exemplo está diante de você e com você, alguém que está esperando fora do túnel e que o está chamando constantemente para entrar no túnel... porque, a menos que você entre, você não pode sair dele. Não há como se desviar dele.  
            Há milhares de impostores no mundo, e o trabalho deles é o de lhes dizer como se desviar da escuridão e do sofrimento e da tristeza e simplesmente tornar-se iluminado. Basta uma meditação transcendental, repetindo um certo nome, e você se tornará uma alma realizada. Não há nenhuma conexão nisso, não há nenhum trabalho autêntico. O que acontecerá ao seu inconsciente? O que acontecerá ao seu inconsciente coletivo? Você está tentando desviar-se deles, simplesmente abandonando-os. Esse não é o caminho.  
            O caminho vai através deles. Você tem de cortá-los e passar através deles, sabendo perfeitamente que há alguém com você que já os atravessou e foi além.  Não que você precise, como uma absoluta necessidade, da presença de um mestre. Se você tem o coração e a confiança, até mesmo um Gautama Buda, de vinte e cinco séculos atrás, servirá. Depende da sua confiança, porque sempre houve pessoas, por todo o mundo, confirmando isto: “Simplesmente entre atentamente na escuridão do inconsciente, acordado, alerta, porque esse é o único modo de se passar através disso.”. A consciência é a única ponte entre você e o seu supremo florescimento.  

                                    OSHO – The Mystic Rose - Cap. 14
                                   
Tradução: Ma Anand Samashti  

 

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