À medida que fevereiro se aproxima, o
calor se intensifica pouco a pouco e a quantidade de pessoas ao redor da
piscina aumenta. Rostos familiares que haviam desaparecido retornam bronzeados
de Goa, alguns amigos partem e hoje minha namorada e companheira de muitos
anos retorna ao Brasil deixando-me com uma sensação de vazio, um sentimento
de estranheza e uma suave tristeza. Há muito tempo não tenho a experiência
de estar sozinho em Puna. Estar só por aqui é sempre intenso. As pessoas ao
redor são como espelhos que refletem nossas experiências interiores
amplificadas. Se estou só e triste, ao ver tanta gente animada conversando,
rindo e dançando, sinto-me ainda mais só. Se estou feliz, a alegria dos
outros se soma a minha.
Há poucos dias terminei um dos grupos mais gratificantes que já fiz, o Master
Painting Training – Expressing the Inner View (Treinamento Mestre de
Pintura – Expressando a Visão Interior) que, apesar do nome, tem como
participantes desde pintores experientes a pessoas que jamais pintaram na
vida, como eu. O grupo é liderado pela Meera, uma das sannyasins e
facilitadora de grupos mais experientes aqui no Ashram. Ela é uma pintora
japonesa de renome internacional e vem trabalhando com o Osho há mais de 20
anos, expressando da forma mais original a mensagem do mestre. Ela tem as
qualidades opostas e complementares do Zen e da espontaneidade alegre e
criativa que vem de um genuíno espaço de meditação.
Dentre as tantas experiências que
vivenciei no grupo de 12 dias, uma das que mais me tocou foi a de que, no
processo da pintura, visão interior não é algo esotérico ou que vem da
cabeça, mas sim de estar conectado e alerta para tudo que está ao nosso
redor. A pintura, tal como acontece aqui, não é para expressar uma
subjetividade inconsciente, como é moda na arte moderna, mas uma metáfora da
vida, ou a própria vida acontecendo, “explicando” as muitas contradições
que acontecem neste ashram.
Por exemplo, outro dia eu
conversava na nova sala de ginástica com um médico indiano provavelmente
apegado à visão tradicional de um ashram muito sério. Ele me dizia que não
havia nenhum outro lugar em que poderia experienciar o silêncio como o Osho
Auditorium ou como o Samadhi do Osho (o salão onde estão as cinzas do Osho e
que também é um local de meditação). Mas também disse, visivelmente
decepcionado e provavelmente com inveja reprimida, que via muita luxúria no
olhar das pessoas. Tive que me segurar para não ser grosseiro e cair na
risada. Apenas comentei que este lugar, para mim, parece concretizar a visão
do Osho, com “luxúria” e meditação, zen e espontaneidade, talvez o único
lugar do mundo onde você pode fazer um longo retiro de Vipassana em silêncio
e reclusão, tal como num mosteiro, ou tomar vinho, dançar e celebrar com os
amigos.
Uma última nota sobre este
boletim. Ele é lido mesmo aqui em Puna. Fiquei bastante feliz quando dois
brasileiros vieram me falar que leram a coluna Notícias de Puna que escrevi
para o boletim de janeiro.
Ansu
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