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Alguns
amigos brasileiros me perguntam porque ainda não escrevi
neste boletim a história do acidente que sofri na minha
primeira visita à Índia em 1998.
Dizem:
conte o que você passou pois assim ninguém mais lhe pedirá
para você repetir a mesma história.
Sempre
respondo que nada sei sobre o acidente pois, no momento do
choque, estava deitado adormecido no banco traseiro do
carro. Mas o argumento me convenceu, já que não mais
precisarei ficar relembrando os momentos mais difíceis da
minha vida. Então aqui vai o que sei:
Havia
deixado meu emprego em Macaé, no estado do Rio e regressado
a Salvador onde residia, depois de dezesseis anos viajando
pelo país trabalhando numa empresa da área de petróleo.
Logo adquiri um computador conectado a internet e comecei a
escrever sobre o que mais gostava: esoterismo, misticismo e
assuntos correlatos. Um dia, navegando pela internet, dei de
cara com a homepage do Osho na Índia. Foi paixão à
primeira vista! Exultante, dizia para mim mesmo: “Achei o
que tanto buscava!” Isso aconteceu em meados do ano de
1996.
Logo
passei a devorar os livros e tudo mais que encontrava a
respeito de Osho. Iniciei os preparativos para a viagem que
só veio acontecer dois anos depois no fim de março de 98.
Solicitei
um taxí via e-mail que me esperaria no aeroporto de
Bombaim.
O
avião da Alitalia decolou de Salvador dia 31 de março.
Depois de um pouso em Roma para troca de avião e de uma rápida
aterrissagem no Kuwait, chegamos a Bombaim a uma hora da
manhã do dia 2 de Abril.
Não
consegui dormir durante as 40 horas de duração da viagem
provavelmente devido a ansiedade. Estava muito enfadado.
Dois
jovens indianos seguravam um pequeno cartaz na saída do
aeroporto onde estava escrito meu nome de família: Mr.
Pereira.
Logo
iniciamos a viagem para Puna. A rodovia Bombaim/Puna estava
em obras para duplicação das pistas. Estrada empoeirada
com muitas máquinas na pista dificultando o intenso tráfego
de veículos mesmo àquela hora da madrugada.
Estava
excitado por estar na Índia, pensando na comuna de Osho, em
tornar-me um saniasin, mas devido ao cansaço da viagem,
deitei no banco traseiro do carro e...
Depois
de um coma de dois dias, abri os olhos. Parecia um sonho,
devia estar dopado devido aos medicamentos e a cirurgia do
dia anterior. Percebi meu braço esquerdo completamente
engessado desde o ombro até as pontas dos dedos. A perna
direita imobilizada e dois tubos de vidro pendurados, um com
soro e outro com sangue injetados nas veias de meu braço
direito - estava na U.T.I de um hospital.
Dentro
do quarto algumas mulheres trajando robes vermelhos estavam
sentadas num canto. Logo vi que eram saniasins. Uma delas se
aproximou quando percebeu que eu havia acordado e, falando
em português, disse que eu havia sofrido um acidente, mas
que agora estava tudo bem. Ela era do Rio Grande do Sul.
Perguntei
pelos indianos que viajavam comigo. Ela respondeu que eles não
resistiram. Eu havia sido o único sobrevivente do acidente.
Era
minha primeira viagem fora do Brasil. Eu nunca havia estado
antes em um hospital como paciente e também, minha primeira
cirurgia. Talvez por isso tudo parecia um sonho. Mas era
realidade.
Aos
poucos fui me familiarizando com a nova situação. Havia um
balão de oxigênio ao lado da cama com uma máscara para
respiração sobre meu peito.
Duas
enfermeiras contratadas se revezavam a cada doze horas. Alguém
precisava estar sempre ao meu lado.
O
hospital onde estava internado ficava defronte a comuna de
Osho em Puna. Haviam colocado uma nota no portão principal
da comuna relatando o acidente de taxí ocorrido com um
brasileiro na estrada Bombaim/Puna. Isso explicava o vai e
vem de tantos saniasins no hospital, a maioria brasileiros,
que queriam me ver e me confortar um pouco.
De
vez em quando um grupo de saniasins estrangeiros rodeavam
meu leito e ficavam em silêncio com as mãos estendidas
sobre os membros fraturados.
Diziam
que estavam dando passes de energia curativa.
Depois
vim a saber que aquilo era uma sessão de Reiki.
A
partir do terceiro dia de internação passei a receber
telefonemas de familiares e amigos do Brasil. Procurei tranqüilizá-los
dizendo que havia tido apenas algumas fraturas (tive
fraturas no fêmur da coxa direita, na bacia, e também braço
e mão esquerda esmagados), e que logo estaria recuperado.
Mas isso era o que eu queria...
No
oitavo dia de UTI comecei a sentir um formigamento no peito.
Minha respiração começou a falhar. O ar roçava nas
minhas narinas, mas não penetrava até os pulmões. Peguei
rapidamente a máscara de oxigênio pondo-a sobre o nariz e
a boca como a enfermeira já havia feito tantas vezes comigo
nos dias anteriores, mas como não conseguia respirar,
imediatamente retirava a máscara e gesticulava para a
enfermeira de plantão tentando fazê-la entender que o
equipamento de oxigenação não
estava funcionando.
“I
cannot breathe” (não consigo respirar), fiquei repetindo
a frase em inglês.
Ela,
sem também entender direito o que estava ocorrendo, tornava
a colocar a máscara cobrindo meu nariz e eu a retirava
novamente.
Ela
passou a mexer nervosamente nos botões do aparelho de
oxigenação ao lado da cama e, em seguida, apertou um
interruptor na parede como que para avisar alguém. Outra
enfermeira correu para chamar o médico responsável.
O
desconforto físico no meu peito seguia aumentando. Nenhuma
vez me ocorreu que estava tendo uma parada respiratória.
Imaginava que havia ocorrido algum problema com o
equipamento de oxigênio.
O
Dr. Dudani, médico ortopedista indiano, entrou no quarto
apressado. Não lembro que providências ele tomou. Tudo
escureceu. Perdi os sentidos.
Quando
abri novamente os olhos, não sei dizer se haviam passados
segundos, minutos ou mesmo horas, senti a região do peito
completamente gelado por dentro. O foco da minha atenção
voltou-se imediatamente para as narinas:
estava
respirando novamente.
Na
minha imaginação, quando uma pessoa sofria uma parada
respiratória alguém vinha e abria a boca da vítima
soprando oxigênio para seus pulmões como havia visto
tantas vezes nas cenas dos primeiros socorros de pessoas vítimas
de acidentes e afogamentos.
Depois
que tudo passou fiquei matutando sobre a nova experiência
pela qual havia passado. “Meu aparelho respiratório parou
de funcionar por um tempo! Puxa vida, é assim que se morre!
Por que isso agora? Afinal, havia tido apenas algumas
fraturas.”
A
resposta veio poucos dias depois quando recebi a visita de
um jovem indiano.
Ele
tinha os olhos claros, de baixa estatura e robusto.
Ele
identificou-se como Bablu (Depois soube que ele era sobrinho
do Osho).
Disse
que era o proprietário do taxí acidentado e que foi ele
que havia me prestado socorro trazendo-me para esse hospital
próximo à comuna. Também foi ele que recebeu minha
mensagem por e-mail solicitando o taxí.
“O
que aconteceu? Você lembra de alguma coisa?” Ele me
perguntou.
Respondi que não lembrava de nada.
“Estava deitado no banco traseiro do carro e não sei o
que houve. A última coisa que lembro é que mesmo deitado,
podia ver a copa das árvores e alguns prédios passando,
devia estar amanhecendo.”
Movido
pela curiosidade perguntei como ele soube do acidente. O
relato dele me deixou arrepiado.
Ele
contou que a polícia o localizou por telefone rastreando o
número da placa do veículo. Disseram que a pequena maruti
de sua propriedade estava completamente destruída após a
colisão com um caminhão e que não havia sobreviventes.
Solicitaram a imediata presença dele no local do acidente
para reconhecimento das vítimas.
Ele
pegou a sua motocicleta e uma hora depois chegou ao local do
acidente. Eram dez horas da manhã (cinco horas haviam
passado desde a colisão).
Bablu
falou que era difícil acreditar no que via: A polícia
tentando controlar os curiosos ao redor de três corpos
cobertos de sangue deitados num declive ao lado da pista.
Nenhuma ambulância, nenhum atendimento médico até aquela
hora. Ainda esperavam pelos funcionários do governo
encarregados de fazer a perícia.
“Vocês
foram dados como mortos. Nenhum documento pessoal foi
encontrado.
Meus
dois funcionários (o motorista e o acompanhante) ficaram
irreconhecíveis. Você tinha o corpo completamente
enrijecido no meio deles. Tinha o braço e a mão esquerda
destroçados. Chegando mais perto, verifiquei que você não
tinha ferimentos graves pelo corpo. Percebi que você estava
vivo, ainda respirava.
Chamei
o policial e pedi providências urgentes. Informei a ele que
você não era indiano. Estava vindo do Brasil para visitar
a comuna de Osho. Pedi para ele chamar uma ambulância e
disse que todas as despesas seriam pagas. Enrolamos o seu
braço esquerdo com um
plástico e o conduzimos ao hospital mais próximo do
local. Era um hospital público, cheio de gente, como você
não tinha nenhuma identificação não foi logo atendido
devido a burocracia governamental, apesar da emergência da
situação. Enquanto aguardávamos atendimento encontramos
seus dólares (3 mil) numa bolsa ao redor da cintura dentro
da sua cueca”.
(Minha
porchete com passaporte, cartão de crédito e o bilhete aéreo
de retorno presa por fora na minha cintura desapareceu).
Bablu
disse que quando percebeu a gravidade da minha situação
resolveu conversar por telefone com a administração da
comuna e relatar o que estava acontecendo e então eles
solicitaram para que eu fosse trazido para o hospital ortopédico
Bhudrani situado defronte à comuna no bairro Koregaon Park
em Puna.
Isso
é tudo que sei. Ufa! Parece que estou vivendo de graça.
Agora tudo isso faz parte do passado.
Apenas
para registrar os nomes e minha gratidão daqueles que
acompanharam meu caso e ajudaram de alguma maneira:
Na
ìndia – Trisha, Chandra, Yamini, Srajano, Dhyanesh, Di
Costa e outros que não lembro agora.
No Brasil – Expedito, Sávio,
Herialdo, Luis, Nazaré e Hermila. Todos da minha família
Pereira
Puna, 5 de Maio de 2005
Swami
Prasado
Swamiprasado@yahoo.com
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